

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 71, p. 159 - 186, nov. - dez. 2015
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direito empresarial é marcado por uma particular liberdade dos agentes,
o que torna condutas inadmissíveis em outros campos, aceitáveis aqui.
De outra forma, é possível afirmar que
é mais difícil que uma conduta
se enquadre como abusiva em uma relação empresarial
. A liberdade
de contratar sempre foi reconhecida como particularmente ampla no
âmbito de tais relações
55
. Talvez a recordação da própria sistemática do
abuso de direito possa aclarar o porquê.
Modernamente, compreende-se o abuso do direito como a descon-
formidade do exercício de posições jurídicas em relação aos seus funda-
mentos teleológicos e axiológicos
56
, buscados esses na tábua de valores
plasmada na Constituição da República. A própria autonomia privada
passa a ser substancialmente limitada (
rectius
, remodelada) pelos valores
existenciais
57
, que ascendem a uma posição central no sistema constitu-
cional em razão da cláusula geral de tutela da pessoa humana. Ocorre
que as relações interempresariais, nas quais prevalece o objetivo de lucro,
não se relacionam diretamente com esses valores existenciais que exigem
uma tutela protetiva do sistema; pelo contrário, são regidas prioritaria-
mente pela ótica patrimonial
58
. Assim, ao recorrer à Lei Maior para definir
os limites axiológicos ao exercício dos direitos, percebe o intérprete que
aqueles valores ligados à pessoa humana presentes nas relações de con-
sumo e civis, que condicionam os atos de autonomia dos sujeitos priva-
55 Assim se manifesta a doutrina: “nos contratos empresariais a premissa da interpretação deve ser o alto grau
de autonomia dos contratantes. Eles têm condições de decidirem como se obrigar, assumindo riscos segundo sua
conveniência” (ZANCHIM, Kleber Luiz.
Contratos Empresariais
,
op. cit
., p. 274).
O entendimento também é chancelado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “Recurso Especial. Direi-
to Empresarial. Contrato de prestação de serviços. Expansão de shopping center. Revisão do contrato. Quantificação
dos prêmios de produtividade considerando a situação dos fatores de cálculo em época diversa da pactuada. Inad-
missibilidade. Concreção do princípio da autonomia privada. Necessidade de respeito aos princípios da obrigatorie-
dade (‘pacta sunt servanda’) e da relatividade dos contratos (‘inter alios acta’). Manutenção das cláusulas contratu-
ais livremente pactuadas. (...)VII. Concreção do princípio da autonomia privada no plano do Direito Empresarial, com
maior força do que em outros setores do Direito Privado, em face da necessidade de prevalência dos princípios da
livre iniciativa, da livre concorrência e da função social da empresa. VIII. Reconhecimento da contrariedade aos prin-
cípios da obrigatoriedade do contrato (art. 1056 do CC/16) e da relatividade dos efeitos dos pactos, especialmente
relevantes no plano do Direito Empresarial, com a determinação de que o cálculo dos prêmios considere a realidade
existente na data em que deveriam ser pagos. Doutrina.” (grifo nosso) (STJ, 3ª T., REsp 1.158.815/RJ, Rel. Min. Paulo
de Tarso Sanseverino, j. 07.02.2012).
Por fim, é de se registrar o teor do Enunciado n. 21 da I Jornada de Direito Comercial do CJF: “Nos contratos empre-
sariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais”.
56 CARPENA, Heloísa. "O Abuso do Direito no Código de 2002: relativização de direitos na ótica civil-constitucional."
In
: TEPEDINO, Gustavo (coord.).
O Código Civil na Perspectiva Civil-Constitucional
: parte geral. Rio de Janeiro: Re-
novar, 2013, p. 425-426.
57 TEPEDINO, Gustavo. "Normas Constitucionais e Direito Civil na Construção Unitária do Ordenamento."
In
:
Temas
de Direito Civil
, t. III. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 5.
58 TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. "A Boa-Fé Objetiva...,
op. cit.
, p. 42.