

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 71, p. 159 - 186, nov. - dez. 2015
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A função interpretativa da boa-fé objetiva impele o intérprete à
busca da compreensão das cláusulas contratuais que se revele mais ade-
quada ao objetivo comum perseguido pelas partes, e não aquela que se
mostre mais benéfica ao interesse privado exclusivo da contraparte. Essa
premissa se revela importante nas relações paritárias, particularmente
nas relações empresariais, nas quais o escopo bilateral de lucro muitas
vezes coloca o interesse individual dos contratantes em rota de colisão,
nas negociações em que a ampliação do retorno econômico de um im-
porte a redução do lucro do parceiro, inviabilizando a cooperação
48
. Já
em relação aos interesses comuns, objetivamente extraídos da avença,
a postura cooperativa se mostra plenamente exigível, com amparo na
cláusula geral de boa-fé.
Contribuindo para o esclarecimento da operatividade da boa-fé
não só de forma interpretativa, como também integrativa, o artigo 113
do Código Civil coliga a boa-fé aos usos do lugar da celebração do negó-
cio, entendidos aqui como os usos negociais do lugar da contratação
49
.
Contextualizado no campo mercantil, pode-se entender que o artigo faz
verdadeira remissão aos costumes da prática empresarial, ou seja, à boa
prática dos negócios
50
. Determinadas ações, surgidas espontaneamen-
te da praxe mercantil, destacam-se por sua aptidão para resolver pro-
blemas, sendo reiteradamente executadas pelos comerciantes e chan-
celadas pela jurisprudência. O repertório dessas práticas acaba sendo
memorizado pelos agentes econômicos, que passam a pautar suas con-
dutas com base nelas e a esperar, legitimamente, que as demais partes
também se comportem de acordo com esse modelo usual, o que amplia
a segurança nas transações
51
.
São essas “jogadas”, uniformemente praticadas e aceitas nas re-
lações mercantis, que devem servir de parâmetro na interpretação dos
negócios empresariais e na colmatação de eventuais lacunas
. Vale dizer:
a uma cláusula ambígua deve se conferir a interpretação conforme usu-
almente adotada pelos demais agentes econômicos na mesma situação,
48 TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. "A Boa-Fé Objetiva"...,
op. cit.
, p. 39.
49 MARTINS-COSTA, Judith. "Os Campos Normativos"...,
op. cit.
, p. 406-407."
50 MARTINS-COSTA, Judith. "O Exercício Jurídico Disfuncional"...,
op. cit.
, p. 57.
51 FORGIONI, Paula A..
Teoria Geral..
.,
op. cit.
, p. 116-118. KLEIN, Vinícius; BITENCOURT, Thiago Wiggers. "Boa-Fé
Objetiva"...,
op. cit.
, p. 22.