

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 10, p. 85-105, set. - out. 2015
95
voa de inconstitucionalidade da EC 66/2010 e ao argumento de que é um
direito da pessoa promover a ação de separação judicial, se assim o desejar.
Veja-se que a situação anterior era exatamente o reverso: cidadãos
da República tinham de se submeter a uma legislação de inspiração reli-
giosa fossem ou não católicos. De início, só havia o desquite, o término
das obrigações matrimoniais, mas com a manutenção
ad aeternum
do
vínculo matrimonial. Posteriormente passou a existir uma opção para dis-
solver o matrimônio pelo regime da Lei 6.515/77: separação judicial ou de
fato antes do divórcio.
É de se notar que as pessoas que têm o dogma religioso da indis-
solubilidade do matrimônio não devem se atribular com a nova ordem
constitucional. Optando pelo fim do vínculo matrimonial sem o recurso
ao divórcio, ainda podem obter a dissolução do casamento religioso com
efeitos civis
42
anulando o casamento em um tribunal eclesiástico católico,
pelo Código Canônico.
Segundo tal concepção, o casamento sempre é indissolúvel, mas
pode ser que não tenha sido válido por inúmeros motivos
43
, e aí sim é
considerado nulo por um tribunal eclesiástico, e nesse caso as partes re-
tornam ao estado de solteiros.
O Superior Tribunal de Justiça
44
, em 2.013, com base no artigo 12,
§ 1º do Decreto 7.107/2010 (o Acordo Brasil-Santa Sé ou Estatuto Jurídico
da Igreja Católica Romana no Brasil), homologou como sentença estran-
geira decisão do
Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica
de anulação
de casamento religioso, e os requerentes passaram do
status
de casados
para o de solteiros (e não divorciados)
45
.
42 Previsto na Constituição Federal, no artigo 226, § 2º: “O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.”
43 Por motivos previstos no Código de Direito Canônico como erro quanto à pessoa, que pode ser interpretado
como apresentar uma personalidade diferente, ou hábito não consagrado, infidelidade pretérita e persistente. São
causas de anulação o vício no consentimento, ou o mero medo de algum parente ao casar, entre outras causas.
44 Os dados não foram publicados em razão do segredo de justiça. Não há razão para a não divulgação sequer do
número do acórdão.
45 Entendeu o STJ que não havia ofensa à ordem jurídica brasileira. É importante observar que, em se tratando de
sentenças de cortes religiosas, muitas vezes isso não será possível, como na hipótese do “repúdio” islâmico, no qual
o casamento é dissolvido por ato unilateral da própria vontade do marido. (Sentença Estrangeira n. 2574-4,
in
Rev.
Inf. Legislativa
n. 77/ jan.-mar. 1.983). Em nosso século, quando ainda competente, o STF admitiu a homologação
de sentença estrangeira nos seguintes termos: “Processo: SEC 5529 SR. Relator(a): Min. NELSON JOBIM. Julgamen-
to:13/03/2002. Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO. Publicação:DJ 07-06-2002 PP-00084 EMENT VOL-02072-01 PP-
00196 RTJ VOL-00181-03 PP-00990.). Ementa: “SENTENÇA ESTRANGEIRA. DIVÓRCIO. PROLATADA PELO TRIBUNAL DE
ASSUNTOS RELIGIOSOS DE DAMASCO, REPÚBLICA ÁRABE SÍRIA. CITAÇÃO POR EDITAL CUMPRIDA. CARACTERÍSTICAS