

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 70, p. 85-105, set. - out. 2015
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influência de uma sociedade aberta e democrática, abdicando de pontos
de vista que não almejem a concertação, em prol da convivência pacífica
e pluralista dos cidadãos da República.
Veja-se, contudo, que aqui não se trata de interpretação
constitucional propriamente dita. A inovação trazida pela Emenda
Constitucional n. 66/2010
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é inquestionável.
Não há mais no sistema a norma de inspiração religiosa, o instituto
da separação judicial, prevendo o texto fundante da República Federativa
apenas o divórcio como possibilidade de dissolução do vínculo matrimonial.
Findada a exigência de prévia separação judicial por dois anos ou
de separação de fato por três anos
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, criou-se em nosso sistema, tardia-
mente, a figura jurídica do divórcio direto a qualquer momento: quem
casar num dia pode requerer o divórcio no dia seguinte.
É assim um disparate a invocação do princípio do laicismo para jus-
tificar a permanência da separação judicial em nosso sistema, sob uma né-
EM RECURSO ESPECIAL nº 337607 - SP (2013/0135602-0) RELATOR : MIN. LUIS FELIPE SALOMÃO. DECISÃO: “1. Cuida-
-se de agravo interposto por M D contra decisão que não admitiu o seu recurso especial, por sua vez manejado em
face de acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, assim ementado: ‘Apelação - Divórcio indireto
- Conversão decretada – Inconformismo sob alegação de descumprimento do acordo formulado na separação judicial -
Descabimento - Discussão a ser travada em ação própria ou em cumprimento de sentença - Exigência à época somente
do requisito temporal para conversão - Emenda Constitucional 66 retirou inclusive esse requisito - Recurso desprovido
(fl. 169).’Nas razões do recurso especial, aponta a parte recorrente, além de dissídio jurisprudencial, ofensa ao disposto
nos arts. 36 e 37 da Lei 6.515/77. Contrarrazões ao recurso especial às fls. 187-197. O parecer do Ministério Público
Federal é pelo não provimento do agravo. É o relatório. Decido. 2. A irresignação não prospera. Ao apreciar a apelação
cível, o acórdão recorrido baseou-se também em fundamentos constitucionais, ao afirmar: Ainda que comprovado o
descumprimento das cláusulas estabelecidas na separação judicial, descabida sua discussão nestes autos, que devem
ser objeto de cumprimento de sentença, ou buscada a tutela em ação própria. À época da prolação da sentença, o art.
226 § 6º da CF exigia o requisito temporal de um ano, havendo separação judicial anterior, ou se de fato, a prova de dois
anos da separação. (...) Descabe na conversão da separação judicial em divórcio discussão sobre partilha, alimentos
atrasados, guarda, que deverão ser resolvidos em ações próprias. Conforme precedente desta Câmara, “o divórcio
pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens do casal (art. 1.581 do Código Civil) e isso se aplica aos casos
de conversão de separação judicial. O legislador não fez qualquer restrição quanto a isso. No entanto, o casamento do
divorciado nessas condições será disciplinado pelo regime da separação dos bens, sem a comunhão dos aquestos (art.
1.641, cumulado com o art. 1.523, III, do mesmo diploma legal), mas isso não impede a concessão do divórcio, apenas
impõe restrição quanto ao regime de bens a ser adotado em novas núpcias para que se evite confusão patrimonial,
enquanto não se resolver acerca da partilha dos bens do ex-casal” (Ap. 560.380-4/2-00, rel. Salles Rossi).
Isso nada
obstante, a Emenda Constitucional nº 66, de 13.7.2010, conferiu nova redação ao § 6º do artigo 226 da CF, suprimin-
do o requisito da prévia separação judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por mais de
dois anos. A norma constitucional reveste-se de imediata aplicabilidade, enseja seu pronto atendimento, inclusive
em aposição às regras da legislação ordinária que previam lapsos temporais à concessão definitiva do divórcio
(fls.
170-172). Caberia à recorrente interpor simultaneamente recurso extraordinário, o que não ocorreu na espécie. Incide,
por conseguinte, o óbice da Súmula 126/STJ: “É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em
fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida
não manifesta recurso extraordinário”. 3. Ante o exposto, nego provimento ao agravo.” (grifei).
40 “Art. 1º O § 6º do art. 226 da Constituição Federal passa a vigorar coma seguinte redação: “Art. 226. (...)§ 6º O casamento
civil pode ser dissolvido pelo divórcio.”(NR). Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.”
41 Redação anterior do artigo 226, § 6º, da Constituição Federal: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divór-
cio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de
fato por mais de dois anos.”