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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 70, p. 85-105, set. - out. 2015

90

ria do casamento”

22

não possui qualquer plausibilidade, em se tratando a

República Federativa do Brasil de um Estado laico.

A importante premissa em discussão aqui é que, em um Estado De-

mocrático e de Direito, não é válida qualquer norma jurídica que se des-

tine a tutelar a vida privada das pessoas, sob a égide ou inspiração de um

segmento religioso.

A liberdade assegurada aos seus cidadãos, de modo geral

23

, e de

crença, especificamente

24

, exige a abstenção do Estado de tutelar a vida

privada e lhe impõe o dever de respeitar as diferenças

25

.

Mesmo com a clareza dos dispositivos dos artigos 5º, IV

26

e VI

27

, e

19

28

, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988, perma-

nece a discussão sobre o laicismo do Estado.

Como diz o economista e filósofo Amartya Sen, “em uma democra-

cia pluralista, o laicismo é uma grande virtude política”

29

.

“No sentido político”, escreve Amartya Sen, “o laicismo enquanto

contraposto a uma imposição clerical, demanda a separação entre o Esta-

do e todas as ordens religiosas e recusa atribuir a uma religião em parti-

cular uma posição privilegiada na atividade do Estado”.

Essa relação equilibrada deve assumir um duplo

standart

: diálogo

e não privilegiamento.

O Estado Democrático e de Direito, laico por consequência, dialoga

com as religiões

30

, de forma equânime, e os não religiosos, com igualdade

de tratamento e de oportunidades.

Porém, não se trata, ao falar das relações entre Estado e religião,

da concretização da liberdade civil da tolerância, como anota a filósofa

Catherine Kintzler

31

.

22 Idem, ibidem.

23 Preâmbulo, artigo 3º, I e artigo 5º,

caput

, da Constituição da República Federativa do Brasil.

24 Artigo 5º, VI e VIII, da Constituição da República Federativa do Brasil.

25 Preâmbulo (“...sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos...”).

26 “Art. 5º, IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;”

27 “Art. 5º, VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos

religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”

28 “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou

igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de

dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;”

29

Laicismo Indiano

, Milão: ed. Feltrinelli, 1998.

30 Artigo 19, III, parte final, da CF: “(...) ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;”

31 Conferência proferida em 1997,

in

Tolerância y laicismo

, 1ª ed., Buenos Aires: Del Signo, 2005, p. 14 ss.