

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 10, p. 85-105, set. - out. 2015
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Para ela, o laicismo é uma maneira original por meio do qual o pen-
samento francês contribuiu para o conceito político do povo, um modo
original de pensar a reunião política, ou seja, o laicismo não é uma corren-
te de pensamento, mas possui um estatuto da reunião ou agrupamento
político. Distinguem-se assim tolerância civil
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, como um princípio antece-
dente (em John Locke), e o laicismo.
O laicismo permite a discussão no espaço público sem qualquer
crença de referência (dogma) ou como ponto de partida (liberdade de
crença e de não crença), posto que “é um princípio mais minimalista e é
incompatível com a religião oficial”.
“Um sistema simples de tolerância”, continua a filósofa francesa,
“é relativamente desarmado para enfrentar um dogmatismo integrista
“duro” com pretensões hegemônicas (que não suporta qualquer coisa
diferente de si mesmo). O secularismo é muito melhor equipado, por não
conceder
a priori
nenhum reconhecimento político para as comunidades
de crença, e funda a associação política em uma base que não requer
nenhuma profissão de fé.”
Nos últimos anos, a concretização dos direitos fundamentais assegu-
rados na Constituição da República tem trazido à cena pública discussões
que têm sido acoimadas de violadoras da liberdade de crença, sem razão.
Assegurar o laicismo não impede o exercício da crença, que deve ser garan-
tido no espaço privado e no direito de amplo exercício no espaço público.
Assim foi o julgamento da ADPF n. 54/DF sobre interrupção da ges-
tação do feto anencéfalo
33
, a questão da possibilidade de pesquisa de cé-
32 A tolerância em matéria religiosa consiste em permitir a coexistência de diferentes crenças no marco do direito
comum. Assegura-se a liberdade de crer e também a de não crer se se a amplia suficientemente. Segue-se que três
proposições asseguram o canon da tolerância pelos efeitos que essa deve produzir: primeira, de ninguém se espera
que exerça uma religião em detrimento de outra, segunda, de ninguém se espera que exerça uma religião em vez de
outra, em vez de nenhuma outra efetivamente. Terceira, de ninguém se espera que não tenha religião. Se se querem
garantir essas três proposições, é necessário que o direito comum regulamente a coexistência dessas liberdades e é
preferível, mais do que isso, é necessário, que as coisas relativas à crença se matenham privadas e que gozem das
simples liberdades civis. Como exemplo, a filósofa diz que garantir a liberdade de expressão (liberdade civil) porque a
lei não as regulamenta uma vez que são crenças. Daí resulta que a lei não tem o direito de forçar as consciências, “a lei
não tem todos os direitos e não pode falar de tudo”. É por isso que a declaração de direitos em grande parte das propo-
sições é negativa: dizem que a lei não tem o direito de fazer. Então, diante de um caso concreto, o magistrado não pode
ordenar crer ou não crer mesmo que o Estado (e isso é um marco da tolerância simples) pratique uma religião oficial.
33 Na qual foi expressamente abordada a questão da laicidade: ADPF 54 / DF - DISTRITO FEDERAL. ARGUIÇÃO
DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 12/04/2012
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO. DJe-080 DIVULG 29-04-2013 PUBLIC 30-04-
2013. Parte(s) REQTE.(S): CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA SAÚDE – CNTS. ADV.(A/S): LUÍS
ROBERTO BARROSO. INTDO.(A/S): PRESIDENTE DA REPÚBLICA. ADV.(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO. Ementa:
ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma República laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considera-
ções. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE
– DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitu-