

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 70, p. 85-105, set. - out. 2015
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Assim, louvando-se na modificação do quorum para aprovação de
emenda constitucional, travou-se no Congresso novamente aberto um
debate sobre o divórcio.
Nos registros da imprensa da época, a questão punha-se entre “di-
vorcistas” e “antidivorcistas”
15
.
No debate parlamentar de 1977, cada grupo se filiava a uma ou
outra corrente, na qual até ameças de excomunhão foram feitas e os mo-
tivos religiosos eram utilizados a todo tempo, quer para um lado, quer
para o outro.
Acabou por ser aprovada a Emenda Constitucional n. 9/1977
16
, que
previu - sem utilizar a anátema “divórcio” - a dissolubilidade do matri-
mônio após prévia separação. A solução transitória da “separação”, como
período prévio ao divórcio, foi produto da negociação do dogma até o fim.
A Lei 6.515/1977, aprovada em razão da EC 9/1977, enfim previu o
instituto do divórcio, mas tal somente seria possível aos cônjuges casados
há no mínimo dois anos após o prévio processo de separação judicial ou
por separação de fato há mais de cinco anos. E de toda sorte, somente
poderiam os cônjuges se divorciar uma única vez (art. 39).
Evidentemente, à época, toda a legislação infraconstitucional se-
guia o ordenamento jurídico anterior, e com a inovação na ordem cons-
titucional, o intérprete devia reconhecer como revogadas as normas jurí-
dicas anteriores e incompatíveis com a inovação constitucional da época.
Esse é o princípio da recepção das normas: a nova ordem constitucio-
nal impõe uma filtragem da legislação infraconstitucional anterior, segundo
a qual a incompatibilidade da norma pretérita com a nova disposição cons-
titucional impõe a não recepção da norma infraconstitucional, e, portanto,
determina sua invalidade ante sua revogação pela norma constitucional.
A recepção pode ser formal, pela qual a lei pretéria passa à catego-
ria legislativa estabelecida pela nova Constituição, ou material, se a maté-
ria é tratada ou não na nova disposição constitucional.
Assim, a norma jurídica vigente que distoasse do texto constitucio-
nal seria considerada revogada, como já decidiu o Supremo Tribunal Fede-
15 Vale análise de periódico da época, disponível em
http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_16jun1977.htm,
acesso em 01 de agosto de 2015 às 23h43.
16 “O § 1º do artigo 175 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 175. (...) § 1º - O casa-
mento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais
de três anos”. Art. 2º A separação, de que trata o § 1º do artigo 175 da Constituição, poderá ser de fato, devidamente
comprovada em Juízo, e pelo prazo de cinco anos, se for anterior à data desta emenda.”