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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 69, p. 115-128, jun. - ago. 2015

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por dificultar a construção de um sólido e espraiado acervo informacio-

nal necessário à formação da memória, história e identidade cultural de

qualquer sociedade

10

; seja por permitir uma “seleção subjetiva dos fatos

a serem divulgados”

11

, outorgando-se aos biografados ou seus familiares

meios concretos para praticar uma esdrúxula espécie de censura privada,

sob o manto de proteção dos direitos da personalidade.

Como bem registrado pela Associação Nacional de História

12

, “as

vidas dos indivíduos são parte da história” e “as trajetórias pessoais não

são uma mercadoria. O direito de escrever sobre elas não deve ser objeto

de negociações ou de contratos comerciais. A mercantilização dos temas

e dos personagens históricos compromete a independência do autor”

13

e,

portanto, o próprio registro historiográfico.

Conforme Carlos Roberto Siqueira Castro nos alerta, o direito de in-

formação é “um desses valores de superlativa importância social, por seu

irreversível alcance humanístico na escalada da civilização”

14

. Sendo a histó-

ria produto da conjugação de ações e trajetórias individuais, a sua narrativa,

no mais das vezes, não pode se dar dissociada de figuras humanas. Os direi-

tos de narrar, interpretar e conhecer a história são amplamente protegidos

no âmbito da Constituição de 1988, não apenas como prerrogativas indivi-

duais, mas também como verdadeiros pressupostos à consecução dos fins

de índole coletiva mais caros ao constitucionalismo democrático.

Fato é que, contemporaneamente, o ordenamento jurídico brasilei-

ro põe termo às biografias não autorizadas – o que configura inaceitável

vilipêndio à livre expressão. Figuras controversas e importantes da histó-

ria nacional, como, por exemplo, o ex-presidente Emílio Garrastazu Médi-

ci, restam protegidas de se verem expostas em obras biográficas.

10 Confira-se o item 41 da petição inicial da ADIn 4.815: “Do ponto de vista da construção da memória coletiva, os

efeitos deletérios da interpretação ora combatida são ainda mais graves. O País se empobrece pelo desestímulo a

historiadores e autores em geral, que esbarram invariavelmente em familiares que formulam exigências financeiras

cumulativas e, por vezes, contraditórias. Ademais, são igualmente graves as distorções provocadas por uma história

contada apenas pelos seus protagonistas. Trata-se, como se vê, de um efeito silenciador e distorcivo dos relatos

históricos e da produção cultural nacional”.

11 Opinião Doutrinária de Gustavo Tepedino, juntada aos autos da ADIn 4.815. Disponível em:

<http://redir.stf

.

jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoinciden

te=4271057>. Acesso em: 11/01/2014.

12 ANPUH - Associação Nacional de História. Moção em Defesa da Liberdade às Biografias. Disponível em: <http://

www.anpuh.org/informativo/view?ID_INFORMATIVO=4444

>. Publicado em: 09/12/2013. Acesso em: 15/01/2014.

13 O condicionamento da produção biográfica à autorização do biografado ou de seus familiares, alémde comprometer a

independência do biógrafo, vemgerando o fenômeno damercantilização do direito ao registro histórico. Emmuitos casos,

biografados ou seus familiares exigem contraprestações monetárias para que as biografias sejam autorizadas.

14 CASTRO, C. R. S..

O Devido Processo Legal e os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade

. Rio de

Janeiro: Forense, 2005, p. 153.