

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 68, p. 28-59, mar. - mai. 2015
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uma relação jurídica de direito público configura uma limitação de natu-
reza “orgânica”, limita a dinamicidade ínsita à figura do processo como
sequencia de atos concatenados entre si. Para cada relação jurídica do
direito material, deve existir uma relação jurídica de natureza processual.
Qual a consequência de se reputar a execução fiscal como uma re-
lação jurídica?
Desde a racionalidade kantiana, é intuitivo que uma relação jurídica
é uma relação entre dois sujeitos, ou que coloca dois ou mais sujeitos em
posição de observação perante determinado objeto. A lógica da relação
jurídica é “estrutural”: um vínculo
19
+ um objeto + pessoas. Em síntese:
vínculo estabelecido pela norma
contexto estrutural
20
da
relação jurídica
objeto
mais um interessado no objeto
Hans Kelsen explica que, na relação jurídica, existe uma coliga-
ção entre “o sujeito de um dever jurídico e o sujeito do correspondente
dovere-diritto, ne risulta che solo alcune posizioni processuali si prestano ad essere considerate
sub specie
di rappor-
to”. PICARDI, Nicola.
La successione processuale
.
Oggetto e limiti
. Milano: Giuffrè, 1964, p. 49.
19 O vínculo é definido de maneira prática, por Kelsen, como um elemento sensível que supõe a “forma” que reveste
a “essência/conteúdo” da relação jurídica. KELSEN, Hans.
Teoria pura do direito
. Trad. João Baptista Machado. 8ª ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 187.
20 Necessário dizer que o conceitualismo abarcado pela relação jurídica sempre trabalhou com noções “estruturais”,
de organicidade, e não com o tema do mundo contemporâneo – a funcionalidade. Por isso é que os institutos jurí-
dicos eram raciocinados de maneira estática, sem a rotina do “para que eles servem”, mas somente eram pensados
de “onde eles provém”. Pensar de maneira estrutural chega a ser uma abreviação, resume grande parte da visão à
técnica. O processo – através do seu gênero procedimento –, primeiramente fora visualizado por Fazzalari em um
universo funcional, quando o provimento seria o ato finalizado pelos sujeitos, com um evidente nexo teleológico.
Apenas em um posterior momento, após consolidado o raciocínio sobre o procedimento, é que o contraditório forte
puxa para dentro do processo uma esquematização paritária e que reclama a simetria entre os sujeitos. Ou seja,
primeiro a função e, após, uma depreensão estrutural do fenômeno. Quero dizer que Fazzalari pensou de fora para
dentro do processo, como se dos efeitos se raciocinasse em direção à eficácia, o que é humanamente mais plausível.
Entretanto, ainda no pós-kantismo isso tudo parece causar certa surpresa à significativa parcela de pensadores.
Ver FAZZALARI, Elio.
Processo. Teoria generale. Novissimo digesto italiano
, v. XIII, Torinese, 1957, em especial, p.
1069/1070. Dinamarco chega a comentar a influência dos administrativistas para a definição do procedimento e do
processo (inclusive por existir relação de gênero e espécie), ver
A instrumentalidade do processo
. 14ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 82. A origem publicista de uma concepção de procedimento em confronto com o processo pode
ser observado em no precursor ensaio de BENVENUTI, Feliciano. "
Funzione amministrativa, procedimento, proces-
so"
.
Rivista Trimestale di Diritto Pubblico
, anno II, 1952, em especial, p. 126/7. O sobrenome não é mera coincidên-
cia. Se o leitor quiser aprofundar para muito além do processo civil, a filosofia empresta uma distinção entre os pen-
samentos de Parsons e Luhmann que, talvez, descortina a transição de um raciocínio estrutural-funcionalista para
o funcional-estruturalista, na teoria dos sistemas (fundamentos, inclusive, de recente filmacoteca norte-americana,
vide a verdadeira poesia na película
Matrix
, em especial o
Matrix II
, em que o conflito entre os mundos Zion-Matrix
colocam a descoberto a dialética dos sistemas e as questões da autopoiese e da heteropoiese; aprofundando o
raciocínio, até programas televisivos, como o
Big Brother
, exploram a questão sistêmica).