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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 68, p. 28-59, mar. - mai. 2015

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Quando se fala em reforma do CPC aplicável à LEF, a toda pro-

va, uma bifurcação de correntes sobrepaira: de um lado, a nova ordem

mundial compreende o processo civil como um procedimento em con-

traditório, assim embasando dispositivos que privilegiam o princípio da

efetividade em detrimento da segurança jurídica (na própria LEF existe re-

percussão dessa lógica, como expresso no art. 40); de outro lado, um per-

fil abstracionista e outrora responsável pela autonomização do processo

reinava quando do advento do CPC e da LEF, nas décadas de 1970 e 1980,

fincando raízes para se entender o processo como uma relação jurídica. O

abismo epistêmico criado pela ruptura entre as duas corrente é dantesco.

A lei especial número 6.830/80 foi criada para conferir

privilégios

processuais à Fazenda Pública. Na verdade, privilégios talvez retóricos,

como alguns jogos de cena, como assinalados no item anterior. De qualquer

maneira, a execução fiscal, seja para beneficiar o Fisco ou para elastecer o

humor do devedor, deve seguir o formalismo do direito tributário para tu-

telar alguns interesses considerados supremos. E quando se falava em “su-

premacia”, em pleno século XX, considerava-se não um equilíbrio material,

mas apenas formal e conceitualista. Tanto que o dualismo extremo entre o

processo e o direito material sobrepairava naquela época, e estava cravado

na alma da operação jurídica como um todo, podendo ainda ser sensivel-

mente notado no abstracionismo regulamentado na Lei de Execução Fiscal.

Assim, se o regime jurídico do CPC de 1973, inerente à cultura brasi-

leira do último quartel do século XX

14

, influenciou a Lei de Execução Fiscal,

atribuiu a ela um maior “grau” de formalismo admissível, dentre todas

as espécies de processos de execução. As mensagens conceituais crista-

lizadas nessa lei extraordinária, não por acaso, isolam os diversos atos

processuais em verdadeiras “crises de instâncias” – a execução fiscal não

chega a ser um procedimento em contraditório, mas possui geneticamen-

te uma natureza de

relação jurídica de direito público

.

Em outras palavras, a execução fiscal está repleta de atos proces-

suais formais que praticamente se isolam entre si, como se fossem ilhas.

14 A metodologia tecnicista e seus devaneios excessivamente formalistas não permitem ponderar a multifuncionali-

dade da efetividade e da segurança em perspectiva dinâmica, não observa a tutela do direito e a tutela jurisdicional

em cotejo simbiótico, como também não possibilita a visualização de categorias do gênero “questão mista” em

processo civil. A metodologia da técnica assola a LEF e a remete a um amontoado de “crises de instâncias”, nor-

malmente geradas pela concepção de um processo formalista ao extremo, que reflete o rigor do direito tributário

e da burocracia brasileira da década de 1980. A Lei de Execução Fiscal jamais cogitou de sincretismo. Na longínqua

década de 1980, conhecimento e execução não se misturavam, tanto que os embargos formam verdadeira crise

existencial na execução e possuem uma limitação material quanto às matérias que poderiam ser alegadas. Uma

lente que violenta a ampla defesa enquanto direito fundamental, porém, expressa a cultura de que a Administração

tinha prevalência sobre o direito individual do contribuinte.