

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 68, p. 28 - 59, mar. - mai. 2015
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Código de Processo Civil, datado originariamente de 1973, é um reflexo
vivo dessa matriz jurídica, porque atinente ao panorama cultural então
vigente no Brasil.
Assim, o CPC de 1973 não se preocupou em fornecer ferramentas
para que o operador do direito aproximasse o processo à realidade do
direito material. A grande questão de sua época era, justamente, reforçar
a independência dogmática do processo civil, com o alvitre de o elevar a
uma estrutura não
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ideológica e, sobretudo, tecnicista
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.
A Escola processualista, que ilustrou o nosso CPC
12
, também é res-
ponsável pela sorte de influências que nortearam a formulação da Lei
6.830/80. Uma racionalidade que reproduz efeitos teóricos e pragmáticos
até o presente, mormente quando a matéria subjacente – o objeto do
processo: o direito tributário – é de cunho tão formalista quanto o próprio
processo. Daí o fundamento epistêmico pelo qual as reformas
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pontuais
introduzidas recentemente no CPC (Lei 11.382/06) não despertam uma
imediata aplicação, ou sofrem resistências contra a comunicabilidade das
fontes, quando do manejo da execução fiscal.
10 Inúmeros dispositivos originariamente positivados no CPC demonstram a solução de compromisso de “não especi-
ficidade” adotada pelo CPC/73: o Código de Processo Civil tendeu a unificar os procedimentos emmodalidades ordiná-
rias e alheias ao direito material, com raros casos de “processos especiais”; o juiz deveria ser neutro, um juiz não ativo;
os meios executórios (inclusive os meios probatórios) se pautavam pelo princípio da tipicidade, daí sacralizando um
formalismo excessivo; as eficácias das sentenças se fungibilizaram ao denominador comum da sentença condenatória,
vigorando a teoria ternária para obsessivamente classificar as sentenças e não as espécies de tutela jurisdicional; o
procedimento não abria possibilidade real à antecipação da tutela e refutava o sincretismo, existia ummomento prévio
para o conhecimento e uma fase posterior para a execução. Entre outros exemplos, em sua feição genética, o CPC/73
manteve afastado o processo civil do direito material, daí retratando a era da técnica processual.
11 A referência à metodologia denominada de “processualista, tecnicista, ou conceitualista” reflete a posição que,
desde o iluminismo, alavancou o processo a uma posição de autonomia em relação ao direito material, mas também
fora responsável para afastar o processo da realidade que ele tende a solucionar com a justiça. Até a consagração do
processualismo, existia uma visão plana do ordenamento jurídico, na qual Dinamarco refere que “a ação era definida
como o direito subjetivo lesado (ou: o resultado da lesão ao direito subjetivo), a jurisdição como sistema de tutela
aos direitos, o processo como mera sucessão de atos (procedimento)”. Para aprofundar a sequência entre as corren-
tes metodológicas, na ordem, sincretismo, processualismo ou autonomismo e instrumentalismo, ver DINAMARCO,
Cândido Rangel.
A instrumentalidade do processo
. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 18. Finalmente, também
se fala no formalismo-valorativo, corrente que é defendida no decorrer dessa exposição.
12 Merece referência a soberba literal do item “I”, alínea “5”, da Exposição de Motivos do CPC de 1973: “diversa-
mente de outros ramos da ciência jurídica, que traduzem a índole do povo através de longa tradição, o processo civil
deve ser dotado exclusivamente de meios racionais, tendentes a obter a atuação do direito”. Além de retirar do povo
(os verdadeiros detentores do poder) e, consequentemente, do próprio cenário da cultura, a força de coesão para
colaborar com a formação do direito – entropias de influência do social sobre o âmbito do jurídico –, parece que o
processo civil, segundo o CPC do século passado, não pretendeu “se misturar” a outros ramos da ciência jurídica,
sendo intuitiva uma fragmentação do direito em compartimentos estanques do conhecimento, como se fosse pos-
sível entender institutos através de uma leitura em tiras incomunicáveis. Tampouco se admitia um efetivo diálogo
entre as fontes normativas, uma aproximação real entre direito e processo o que, atualmente, são mecânicas indis-
pensáveis a uma própria dicção do que é racional ou razoável em termos jurídicos.
13 As reformas do CPC bem como as reformas da própria LEF (nova redação dos parágrafos do art. 40) assinalam o
vértice epistêmico acolhido pelo legislador: na esteira da contemporânea doutrina do século XX, o processo é com-
preendido como um procedimento em contraditório. Logo, o processo sempre deve andar para a frente.