

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 68, p. 28 - 59, mar. - mai. 2015
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A forma dos atos, enquanto tais, prevalece sobre o formalismo total do
procedimento, o que é indesejável e motivo de ruídos e crises. Daí porque
a constatação de que, na execução fiscal, tudo ou quase tudo depende de
intimações e de ciências inequívocas de parte a parte, para que assim se
prossiga adiante. A consagração de uma
estrutura relacional
legitimou um
esquema de “poder” no qual a Administração é colocada no vértice, no
topo de uma pirâmide, contra o indivíduo outrora considerado um súdito.
Uma assimetrização que beira o desvio de finalidade da tutela jurisdicio-
nal, com um retorno disfarçado ao regime da autotutela.
Trata-se de uma fórmula que assegurou um desenvolvimento proces-
sual truncado, no seguinte acordo de conveniências: enquanto a execução
fiscal promete a falência dos prazos processuais próprios, pois concede à Fa-
zenda Pública quase uma potestade de
agires
, ao seu talante e possibilidade,
ao devedor foi garantida uma saída à francesa
15
, pois a cada
não compareci-
mento
se estabelece uma crise de instância que emperra o procedimento.
A separação entre uma “relação jurídica processual” e a “relação
em direito material”, consoante a racionalidade do processualismo, que
recorta os objetos em ilhas incomunicáveis, demonstra que a escola pro-
cessual brasileira trouxe, desde o direito privado, uma realidade concei-
tual
16
– a relação jurídica
17
. Nicola Picardi
18
salienta que o processo como
15 Um francesamento no duplo sentido: tanto por ser “sutil” como por ser produto de uma racionalidade típica
do iluminismo.
16 A racionalidade oitocentesca (e o panorama kantista desde então) trabalha com dicotomias, isso não causa estra-
nheza. Vale a pena analisar a obra de Bülow para, além desse cenário, constatar os fluxos e contrafluxos científicos
ao largo do tempo. Para repudiar o pragmatismo do romanismo, que muito influenciou o processo comum da idade
média, Bülow ressalta que avistar o processo em sua dinâmica é uma ideia superficial que não o afasta do proce-
dimento. O qualificador do processo é a “relação jurídica de direito público”. Bülow joga a realidade das coisas em
uma definição cunhada no direito material, o velho modo de compreender as realidades por uma estática. O autor
refere que a concepção dominante no século XIX, até a sua obra, deixava “predominar o procedimento na definição
do processo, não se descuidando de mostrar a relação processual como a outra parte da concepção”. Qualquer se-
melhança com o sentido inverso dessa moeda não é mera coincidência. Atualmente, a doutrina majoritária devolve
a noção de procedimento como mola propulsora do formalismo processual. O que interessa não é a relação jurídica,
mas o qualificativo dinâmico de um contraditório que qualifica o padrão, a rotina pela qual o procedimento trafega.
Os fluxos e contrafluxos da ciência. Ver BÜLOW, Oskar.
Teoria das exceções e dos pressupostos processuais.
Trad.
Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN, 2003, p. 08. A doutrina de Bülow influencia pelo menos dois séculos de ge-
rações do processo civil, inclusive, ele é denominado o “pai do processo”, o responsável pela separação do processo
em confronto com o direito material. Em precisa reconstrução histórica, Giovanni Tarello salienta que Oscar Bülow
“forse il piú influente processualista del sec. XIX; può considerarsi l’iniziatore della nuova processualística dogmatica;
e certamente rappresenta nel massimo grado le tendenze della cultura giuridica germânica dell’età bismarkiana”.
TARELLO, Giovanni.
Il problema della riforma processuale in Italia nel primo quarto del secolo. Per uno Studio della
genesi dottrinale e ideologica del vigente códice italiano di procedura civile
.
Dottrine del processo civile
:
studi
storici sulla formazione del diritto processuale civile
. Bologna: Il Mulino, 1989, p. 37.
17 PICARDI, Nicola.
La successione processuale
. Oggetto e limiti
. Milano: Giuffrè, 1964, p. 28.
18 Picardi refere que “i fenomeni processuali non si prestano ad essere ricondotti, nel loro complesso,
sub specie
di
rapporto giuridico. Infatti, se
il quid
, che lega nello schema del raporto giuridico le posizioni soggettive, va identifi-
cato nel nesso di <correlazione> e se tale nesso, nella sua eccezione più rigorosa, va risolto unicamente nella coppia