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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 68, p. 9-27, mar. - mai 2015
O positivismo, embora hoje muito criticado, teve seu mérito na or-
ganização sistêmica do Direito e no viés de introduzi-lo com segurança,
daí a sua preocupação com a hierarquia das fontes e a preponderância da
lei sobre os princípios. Argumentando nesta trilha, vale citar que a grande
falha do normativismo tenha sido considerar, fictamente, que o Direito
positivo é justo e deve ser obedecido.
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Para o positivismo, como soa lógico, os princípios não poderiam
subverter a lei, pois são menos densos que ela. Este é o ponto nevrálgico
da crítica a ser desenvolvida adiante. O positivismo de Kelsen fica extre-
mado quando afirma ele, em sua famosa obra intitulada
Teoria Pura do
Direito
, que uma norma jamais poderá ser considerada inválida em seu
conteúdo, podendo ela tratar daquilo que melhor lhe aprouver. A sua in-
validade apenas será determinada se contrariar formalmente a lei funda-
mental no sistema hierárquico por ele criado. Pela importância do tema,
pedimos vênia para citar o que abaixo segue:
Se se pergunta pelo fundamento de uma norma pertencente
a uma determinada ordem jurídica, a resposta apenas pode
constituir na recondução à norma fundamental desta ordem
jurídica, quer dizer: na afirmação de que esta norma foi produ-
zida de acordo com a norma fundamental.
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Na leitura da obra de Kelsen, é claro, não se encontra qualquer pos-
sibilidade de se confrontar a lei materialmente, quanto mais confrontá-la
com princípios, ainda que depreendidos da Lei Maior. Esta é a maior rele-
vância do tema ora abordado. Aliás, como acima já se aduziu, o confronto
com a lei que ele chama de fundamental é apenas o da regularidade de
sua gênese, mas não de seu conteúdo. Vale novamente a transcrição:
De acordo com a teoria pura do direito como teoria jurídica
positivista, nenhuma ordem jurídica positiva pode ser con-
siderada como não conforme a sua norma fundamental, e,
portanto, como não válida. O conteúdo de ordem jurídica
positiva é completamente independente da sua norma fun-
damental. Na verdade – tende acentuar-se bem – da norma
fundamental apenas pode ser derivada a validade e não o
conteúdo da ordem jurídica. Toda ordem coerciva global-
19 AMARAL, Francisco,
op. cit
., p. 45 (citando Cristophe Grzegorcyk, em
Le positivisme juridique
, p. 27).
20 KELSEN, Hans.
Teoria Pura do Direito.
Tradução: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 222.