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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 63 - 75, jan - fev. 2015

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micídios cometidos por policiais. Trata-se de um procedimento específico

para o registro das mortes de civis decorrentes das ações policiais. Nos ca-

sos de autos de resistência, via de regra, o Ministério Público arquiva o in-

quérito policial. Este arquivamento ocorre em razão de oponente alegado,

conforme apresentado pelo policial, ou seja, por se tratar de seu adver-

sário, o que inviabiliza a propositura de ação penal, permitindo que a au-

toridade pública fique impune pela morte cometida (PEDRINHA, 2012a).

Desse modo, as mortes não se traduzem em denúncias públicas

oferecidas na Justiça Criminal, em busca da responsabilização do autor

do homicídio. Mesmo quando o Ministério Público ajuíza a ação penal,

raramente ocorre sua aceitação pelos magistrados, com respaldo no equi-

vocado dispositivo da legislação processual penal, sem a devida filtragem

constitucional

4

. Portanto, constitui-se um mecanismo jurídico que legiti-

ma a morte, pois serve para ocultar os assassinatos, daquilo que Sérgio

Verani nomeou de “assassinatos em nome da lei” (VERANI, 1996a; e VE-

RANI, 1996b). Na mesma linha, Ignacio Cano, através de estudos acerca

das descrições de evidências encontradas nos corpos das vítimas, consta-

tou a letalidade produzida pela Instituição Policial no Rio de Janeiro, com

a concentração de execuções em áreas de favelas (CANO, 1997). Como

sustenta o autor, a Polícia é responsável, emmédia, por cerca de 10 a 20%

dos homicídios no Estado do Rio de Janeiro

(CANO, 2003).

Nessa direção, sinalizam os dados apresentados pelo Instituto de

Segurança Pública (ISP)

5

, a respeito da categoria dos autos de resistência

no Estado. Pois, no período entre o ano 2000 e o início do ano 2009, houve

nove mil cento e setenta e nove mortes registradas como “autos de resis-

tência”. Em 1997, 300 (trezentas) pessoas morreram em razão dos autos

de resistência. Dez anos depois, em 2007, ocorreram 1.330 (mil trezentas

quando um caso de homicídio é registrado como auto de resistência, seu inquérito é arquivado. Pois a alegação de

legítima defesa no uso da força policial descaracteriza imediatamente o assassinato em uma operação perpetrada

pela Polícia, obstruindo a atuação adequada. Os registros oficiais da Polícia Civil costumam usar a categoria “autos

de resistência”, quer dizer “resistência à autoridade”, para classificar os casos em que um policial mata um “crimino-

so” que lhe oferece resistência (PEDRINHA, 2011b).

4 O auto de resistência não possui embasamento no Código Penal. Porém, dois dispositivos do Código de Processo

Penal brasileiro, sem a devida filtragem constitucional, fornecem os subsídios legais para o desvirtuamento da prá-

tica. Trata-se dos artigos 284 e 292, respectivamente, com os seguintes textos aludidos: “não será permitido o em-

prego da força, salvo a indispensável no caso de resistência à inviolabilidade do domicílio”; e, “se houver, ainda que

por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e

as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do

que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas” (PEDRINHA, 2012b).

5 Disponível em:

http://www.isp.rj.gov.br/Conteudo.asp?ident=150.

Acesso em: Março de 2012.