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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 54 - 62, jan - fev. 2015

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Relação Juiz x Tribunal: uma questão de família

Para se perceber o fascínio alienante que exerce a jurisprudência

emergente dos tribunais na postura do juiz singular, há aspectos que ocor-

rem no seio da “casta judicante” que, ou não têm sido percebidos, ou têm

sido sonegados àqueles que não fazem parte da estrutura, mas que me-

recem ser apreciados. A discussão que aqui se levanta tem por objetivo

mostrar o invisível que está atrás da realidade aparente, ambicionando

que o ato sentencial forjador da jurisprudência possa ter um continente

libertário/criativo e não opressor/repetitivo.

Na relação com a comunidade, o juiz representa, no inconsciente

das pessoas, a figura do pai. Evidente que o juiz, enquanto regra, aceita/

assume esta figura. Ele é aquele que pune, repreende, autoriza o casa-

mento, determina a separação conjugal, distribui os bens. A comunidade,

quando não consegue resolver seus problemas, busca socorro na figura

do pai/julgador. A relação “familiar” é tão forte que há até controle da

sexualidade do juiz pela própria sociedade, além, é óbvio, de controles

menores: na maneira de vestir, de se portar, em relação a seus amigos. E

algo forte, presente, marcante.

No entanto, esta relação pai-filho que se dá entre juiz-jurisdiciona-

do se reproduz entre juiz-tribunal. Este assume atitude paternalista em

relação ao julgador singular. É ele, tribunal, que pune o juiz, eleva seus

vencimentos, promove, elogia. Deve-se deixar claro, embora óbvio, que

nem todo juiz, nem todo integrante do tribunal, assume esta posição. Não

se está generalizando, pois.

Esta relação de pai-filho é tão presente que, com incrível frequên-

cia, surgem aqueles que a assumem numa extensão alarmante. Do lado

do juiz, o temor reverencial leva-o a ter atitude de subserviência desper-

sonalizante, a ponto de alterar o timbre da voz perante o genitor-tribunal,

remeter-lhe presentes, conferir-lhe agrados e elogios vulgares:

gera a fi-

gura repelente do bajulador

. Na outra ponta, o integrante do tribunal,

que já foi filho um dia, assume agora a figura do pai a exigir que se o

bajule, que se o considere superior. E assim o faz até para justificar sua

própria existência: negar a subserviência implica em reconhecer que sua

história foi doentia (e isso é insuportável). Evidente que tudo passa pelo

inconsciente tanto que os magistrados percebem isso, mas

nos outros!