

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 54 - 62, jan - fev. 2015
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bros!... E quando um dia, finalmente, eu sucumbir e já então como réu
comparecer à Tua Augusta Presença para o último juízo, olha compassivo
para mim. Dita, senhor, a tua sentença. Julga-me como um Deus. Eu jul-
guei como homem”.
O texto explica-se por si só. E o que é pior: nós (juízes e povo) acre-
ditamos na ideia do mito juiz-divindade. Não nos ocorre sequer a pos-
sibilidade de não existir Deus (como ficaria o sentido da prece?) ou de
que o poder de condenar ou absolver passa muito mais pelo que quer a
autoridade policial; que as pessoas inclinam-se perante o juiz por receio
e não por respeito (aliás, nós sabemos que nem o advogado gosta de juiz:
lisonjeia-o apenas para aguçar sua onipotência); que as portas da prisão
dependem mais da correlação de forças que ocorre no presídio ou da boa
ou má vontade do carcereiro; que o fardo é pesado (?) mas nem tanto
como o daquele que passa fome!
Não se percebe que a população esclarecida sequer confia no judiciá-
rio (ver, para tanto, a tese de mestrado do Prof. João Batista Moreira Pinto).
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A resposta a tudo parece vir de Marco Aurélio Dutra Aydos, quando
propugna por um juiz-cidadão igual, presente, humano.
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O que se está
buscando é uma nova ética à magistratura e não sua alienada deificação!
Que tal se pensar num juiz que chora, sofre
,
ama e que se contamina pela
angústia de seu povo!
Pois bem. Penso que o juiz deve buscar se conhecer enquanto tota-
lidade
possível
(evidente que conhecer a “totalidade total” é impossível),
ou seja, enquanto agente historicamente localizado, apto à transforma-
ção e com ciência de sua própria individualidade, até dos mecanismos
de seu inconsciente (cada vez mais parece-me indispensável tratamento
psicoterapêutico). É que muitas vezes julgamos dando um conteúdo racio-
nal (consciente) ao ato decisório quando, em verdade, a real motivação
aloja-se no inconsciente. A clareza de tais mecanismos faz com que ocorra
certo distanciamento crítico brechtiano entre a angústia da lide e as pes-
soais do juiz. A resolução da neurose individual faz com que, às das partes,
não alcancem a individualidade do juiz – ou a torne limitadamente supor-
tável. Ao contrário, se o distanciamento não ocorrer, pode acontecer que
o juiz esteja julgando a si próprio no outro e não a lide do outro. Ou seja,
condena a si, mas quem vai para o presídio é o outro.
6 João Batista Moreira Pinto,
Direito e Novos Movimentos Sociais
, Ed. Acadêmica, São Paulo, 1992, p. 68 e seguintes.
7Marco Aurélio Dutra Aydos, “Juiz-cidadão”,
in
:
Lições de Direito Alternativo 1
, Ed. Acadêmica, 1991, p. 121 e seguintes.