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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 54 - 62, jan - fev. 2015

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Um exemplo – que muito tenho referido – já faz parte do anedotá-

rio forense. Conta a lenda que determinado julgador, com vida sexual re-

catadíssima, sempre e sempre, condenava acusados por delitos sexuais.

Fez isso durante toda sua atuação enquanto juiz. Acontece que ele se

aposentou e a partir daí se liberou sexualmente. Logo após o jubilamen-

to, revelou-se conquistador inquieto, a ponto de ser motivo de chacota.

A explicação entre o juiz que não admitia qualquer relação de sexo e o

não juiz (aposentado) conquistador vulgar, está em que, enquanto juiz

não se permitia ter uma vida sexual livre, repudiava aqueles que assim

procediam. Sentia-se agredido porque os outros se permitiam ter vida

sexual abundante e somente logrou assim agir quando se sentiu homem

“comum”. Condenava, pois, não os outros, mas a sua sexualidade não

resolvida. No entanto, quem ia para a cadeia por causa de seu problema

sexual era o

outro

, o réu.

Assim, quantas e quantas vezes, por não se conhecer, o julgador

pune, inconscientemente, os outros, quando, em verdade, está cuidando

de abafar sua própria e mal resolvida angústia.

Mas conhecer a si próprio, na totalidade possível, não basta. É ne-

cessário conhecer o fato em julgamento e os litigantes, dentro também

de uma totalidade possível: quem são realmente os litigantes? De onde

vieram? Que expectativa os anima? Que base que orienta os fatos? Quem

são os advogados que atuam (eles também contribuem decisivamente

para a (re)construção do fato)?

Como julgar sem ter isso claro? Como decidir fundado na forma

asséptica das ditas “partes”? O desconhecimento do fato e dos atores em

litígio é tão presente que a maioria dos julgamentos – no cível – se dá de

forma antecipada. Quem está sendo julgado tem insignificante valor. E

isso até os advogados desejam: julgue-se rápido, não importando se bem

ou mal: a solução, seja qual for, é o que interessa.

Conhecimento do juiz como um todo (possível), conhecimento do

fato e partes também como um todo (possível), mas apenas isso não bas-

ta. Mais é preciso.

Necessário é que se conheça o todo social possível, ou seja, a rea-

lidade histórica com seus contornos: as forças em luta, a disputa hege-

mônica, as relações de poder, aliás, Marx já dizia que Direito, Economia,

Política, Sociologia, fazem parte de um continente único: a história. Um

famoso magistrado americano lecionava que o juiz deve conhecer polí-