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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 54 - 62, jan - fev. 2015

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O novo juiz (é possível?)

Marcado pelo meu local de fala (daí porque suspeito), entendo que

o papel do juiz é muito forte como agente criador da jurisprudência, evi-

dente que sem descaracterizar a importância do provocador, detonador,

balizador, de todo o processo de onde emerge o ato decisório: o advogado

e o promotor de justiça. Daí porque pretendo demonstrar como vislum-

bro este

pequeno burguês com sede de poder

que, em determinado mo-

mento de sua vida, ingressa na “casta da magistratura”.

Fique claro: as eventuais críticas à magistratura representam, antes

de mais nada e acima de tudo, profunda declaração de amor a ela:

acre-

dito

que o juiz pode e deve ser agente do processo de democratização da

sociedade e com potencialidade muito maior do que os próprios pensa-

dores percebem. É amor e não ódio (ou “amoródio”, como diria um psi-

canalista). É respeito e não desdém, é confiança na dignidade da função!

Tenho que, para que o Juiz possa se completar tanto no plano indi-

vidual, quanto como agente social, há requisitos que me parecem indis-

pensáveis e que têm sido omitidos tanto por aqueles que olham a magis-

tratura desde fora, quanto por aqueles que pretendem ver a magistratura

a partir de seu próprio local de fala.

Os que miram desde fora – como regra – dão menor importância ao

juiz. É tido como mero aplicador da lei, ou instrumento do poder dos dou-

trinadores que necessitam, para provar suas “verdades”, que os magistra-

dos as cumpram, ou, finalmente (e agora dentro do Poder Judiciário), como

cumpridores de ordens do Tribunal, via jurisprudência. Enfim, instrumento

de ponta do dono da lei ou do dono do saber ou da hierarquia do Poder. Por

outro lado, os próprios críticos não têm dado real importância à atividade

específica do julgador: o juiz é conservador, não crítico, alienado.

Outrossim, e n’outra ponta, quando o julgador fala de si mesmo

emerge discurso efetivamente alienado dando a si próprio ares de divin-

dade. O exemplo palmar dessa ótica (aqui manifestada com todo o respei-

to) é a “Prece de um Juiz”, do magistrado aposentado João Alfredo Medei-

ros Vieira, vertido para quinze línguas. E assim começa a prece: “Senhor!

Eu sou o único ser na terra a quem tu deste uma parcela da tua onipotên-

cia: o poder de condenar ou absolver meus semelhantes. Diante de mim

as pessoas se inclinam; à minha voz acorrem, à minha palavra obedecem,

ao meu mandado se entregam... Ao meu aceno as portas das prisões se

fecham... Quão pesado e terrível é o fardo que puseste em meus om-