

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 550- 569, jan - fev. 2015
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como a investigação criminal, independentemente da realização de au-
diências judiciais, funciona como campo fértil para a existência do dile-
ma que a rigor seria próprio de outra estrutura processual: estratégia e
descobrimento da verdade.
O processo penal vinculado à ideia de verdade, diz o jurista ar-
gentino Alberto Binder, constitui opção política central de um poder
judiciário republicano
41
.
No entanto, quando a busca da verdade transforma-se em obses-
são, os fins voltam a justificar os meios e todo esforço de imunização do
processo contra investidas autoritárias termina por sucumbir.
A respeito do mesmo fenômeno, em 2010, o penalista Francesco
Palazzo alertou para a propagação de um “vírus inquisitório”, “autoritá-
rio”, que contamina a prática processual penal italiana, alimentando-se da
relativização das garantias, em um nível estrutural do próprio sistema
42
.
Assinala o respeitado jurista, ao fim dos trabalhos do Congresso em
Ferrara, cuja reflexão central versou acerca da preocupação dominante
com a “obsessão securitária” dos anos 2001 e seguintes, em alguma me-
dida antecipada entre 1992-1997
43
, que tal receio é justificável haja vista
o evidente contraste entre a “afirmação teórica dos direitos e a realidade
inquisitória do processo”
44
.
A mentalidade inquisitorial domina a disputa de sentidos que é tra-
vada na doutrina e nos tribunais sobre significado e alcance do contraditório,
da ampla defesa etc. e isso é particularmente grave porque, como destaca
Palazzo, os direitos individuais desempenham na origem o papel de limite.
Inevitável, pois, repensar o estatuto jurídico dos sujeitos do pro-
cesso para, tomando em consideração o concreto desequilíbrio de po-
deres, rever os pressupostos teóricos de todas as categorias processuais,
em particular daquelas que são decisivas quando o tema é a liberdade:
medidas cautelares, prova e sentença.
No contexto mencionado, não há oposição entre
igualdade
e
legali-
dade
. Ao revés, a estrutura legal do processo penal deve ser concebida de
modo a assegurar que o desequilíbrio real entre poderes processuais, que
41 BINDER, Alberto. Prefácio ao livro
Teoría del Caso
, de Leonardo Moreno Holman. Buenos Aires: Didot, 2012, p. 17.
42 PALAZZO, Francesco. "Conclusioni",
in
Diritti Individuali e Processo Penale Nell’Italia Repubblicana: Ferrara, 12-
13 novembre 2010
. Milano: Giuffrè, 2011, p. 414-415.
43 CAPPELLINI, Paolo. "Le ragioni de un dialogo",
in
Diritti individuali…,
obra citada, p. 5.
44 PALAZZO, Francesco. "Conclusioni",
in
Diritti Individuali e Processo Penale
… obra citada, p. 414.