

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 570- 586, jan - fev. 2015
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Apesar de todos os indicativos feitos pelos mais diversos especia-
listas e instituições, o país alçou o crack a inimigo número um da nação e
consolidou o bordão errôneo “epidemia de crack”, abrindo brechas para
condutas inconstitucionais e imorais por parte do Estado – com endosso
midiático -, que se repetem ciclicamente na história.
Crack, uma epidemia midiática
Especialistas da ONU e Organização Mundial da Saúde (OMS) têm
criticado a internação compulsória por uso do crack veementemente, inclu-
sive comparando esta política à prática de tortura. Ignorando todas as re-
comendações, a Prefeitura do Rio de Janeiro adota a medida há dois anos.
Estudos feitos pelo psiquiatra Dartiu Xavier apontam que 90% das
pessoas internadas compulsoriamente têm recaída. Destes, 70% voltam
a usar a droga no primeiro mês
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. Ou seja, é relativamente fácil um indi-
víduo se manter abstêmio num ambiente em que ele é privado da droga
artificialmente. Quando ele volta para a conjuntura de situações que o
fragilizou, ele volta também ao uso da droga. A partir dessa lógica, há uma
inversão autorizada do discurso da miséria social como consequência, e
não como causa do uso de drogas.
Em seu livro, Carl Hart fala sobre sua trajetória de vida como um
negro que cresceu em bairros pobres e em meio a violência e se tornou
neurocientista. Na oportunidade do lançamento, o pesquisador afirmou
ao New York Times:
“Eighty to 90 percent of people who use crack and metham-
phetamine don’t get addicted,” said Dr. Hart, an associate
professor of psychology. “And the small number who do beco-
me addicted are nothing like the popular caricatures (...)“Eles
não se encaixavam na caricatura do viciado em drogas que
não conseguem resistir à próxima dose”, disse Hart. “Quando
eles receberam uma alternativa para parar, eles fizeram deci-
sões econômicas racionais. (...) Eighty to 90 percent of people
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http://www.youtube.com/watch?v=pTQR1kwsXCg- Apresentação de Dartiu Xavier “Drogas e proteção à saúde”,
no Seminário “Drogas: Dos perigos da proibição à necessidade de legalização”, no dia 04 de abril de 2013, na Escola
da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ).