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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 550 - 569, jan - fev. 2015

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Esta se caracteriza por sua aptidão para identificar os numerosos

pontos de tensão entre os direitos fundamentais de maiorias fragilizadas

do corpo social e a seletividade e brutalidade penais, propondo mecanis-

mos orientados a domesticar o exercício do poder punitivo.

Neste sentido, a luta travada no campo jurídico-processual opõe

posições jurídicas fragilizadas dos grupos e classes sociais vulneráveis ao

poder penal acumulado, que se expressa quer preventivamente, por meio

de prisões provisórias e outras medidas cautelares, quer em caráter defi-

nitivo, pela expansão do encarceramento.

A realidade, que desafia um novo esforço interpretativo da doutri-

na processual penal, aponta para o fenômeno da “aglomeração quântica

de poder”

27

nas mãos dos sujeitos processuais que enfeixam tarefas pre-

ventivas que, com alguma frequência, descambam para o abuso, em um

crescente direito penal e processual penal preventivo.

Para isso, afigura-se indispensável ultrapassar a etapa estritamente

técnico-jurídica do processo penal como condição de superação da men-

talidade autoritária.

Antonio Cavaliere

28

, professor titular de Direito Penal da Universi-

dade de Nápoles, sublinha, por exemplo, que “o tecnicismo jurídico do-

minante na época fascista e no pós-guerra”, na Itália, “excluía a crítica

orientada a valores e princípios do objeto da ciência jurídico-penal”.

Neste contexto de impermeabilidade do direito em relação à polí-

tica é compreensível a permanência e fomento da “atitude metódica au-

toritária”, mencionada por Cavaliere

29

, algo que pode ser detectado sem

maior dificuldade no caso brasileiro.

Em “Campo jurídico e capital científico...”

30

, resgatei antigas reflexões

que, sob a generosa influência de Mirjan Damaska

31

, buscaram demonstrar o

quanto de disputa (política) de (constituição) sentidos cobre o terreno sim-

bólico de definição do que é ou não acusatório para fins de processo penal.

27 Expressão empregada por Bernd Schünemann acerca da rede de persecução penal estabelecida nos marcos das

chamadas “Leis de Luta” contra a criminalidade, na Alemanha. SCHÜNEMANN, Bernd.

La reforma del processo

penal

. Madrid: Dykinson, 2005, p. 30.

28 "Las garantías del procedimiento en la experiencia italiana: desde la instrucción a las investigaciones prelimi-

nares",

in

Los derechos fundamentales en la instrucción penal en los países de América Latina.

México: Porrúa,

2007, p. 180.

29

Idem

.

30 PRADO, Geraldo. "Campo jurídico e capital científico: O acordo sobre a pena e o modelo acusatório no Brasil – a

transformação de um conceito",

in

Decisão Judicial: A cultura jurídica brasileira na transição para a democracia.

PRA-

DO, Geraldo; MARTINS, Rui Cunha; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. São Paulo: Marcial Pons, 2012.

31

Las caras de la justicia y el poder del Estado

. Editorial Jurídica de Chile, 2000.