

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 550 - 569, jan - fev. 2015
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via do esquecimento”
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.
O caso brasileiro é ilustrativo disso. Categorias do processo civil são
empregadas para explicar os fenômenos do processo penal. Antigas fun-
damentações são deixadas de lado, em realidade esquecidas, apesar da
evidente impossibilidade dos conceitos do processo civil darem conta das
diferenças estruturais entre um modelo e outro.
Empregar a retórica do século XIX implicava reconhecer que, mais
do que o Código de Processo de Processo Penal de 1941, a própria ciência
do processo penal brasileiro contemporâneo encontrava-se impregnada
pelo
vírus inquisitório
.
No entanto, a busca da verdade como meta – e, em seu rastro, os
poderes probatórios do juiz – configurará o elemento de ligação entre as
antigas práticas autoritárias, de matriz inquisitória, e o novo processo pe-
nal, mesmo depois de promulgada a Constituição de 1988.
Uma concepção de sistema acusatório que convive com poderes
judiciais para definir o objeto do processo e pesquisar as provas é reela-
borada e difundida.
Por mais que um processo regido pelo princípio dispositivo, como
em regra o processo civil, fosse em tese incompatível com este acúmulo
de poderes em mãos do juiz, a teoria unitária do processo empreendia
diligente esforço para adaptar-se às circunstâncias e conferir lastro às prá-
ticas processuais.
Desse esforço havia nascido o discurso científico do processo penal
brasileiro. Sua reelaboração, com ênfase na definição da responsabilidade
penal dos acusados, até hoje orienta os textos jurídicos que inspiram os
profissionais nas mais variadas áreas de atuação.
O isolamento científico do saber processual, reivindicado como
postura metodológica de base no âmbito deste positivismo jurídico à bra-
sileira, facilitou a consolidação de tal espécie de mentalidade, hábil em
escamotear as incoerências de um modelo elaborado à feição para fun-
cionar em um estado típico de polícia.
Neste contexto tornou-se possível proclamar a regência da presun-
ção de inocência, da igualdade entre as partes e do papel proeminente
dos direitos fundamentais em um quadro normativo infraconstitucional
que, mesmo após 1988, estabelecia casos de prisão obrigatória, negava o
23 HASSEMER, Winfried.
História das Ideias Penais na Alemanha do Pós-Guerra
, Faculdade de Direito de Lisboa,
1995, p. 31.