

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 550- 569, jan - fev. 2015
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Não cabe aqui retornar ao ponto.
Pretendo, todavia, sublinhar três aspectos que, em minha opinião,
refletem tendências contemporâneas que a doutrina processual penal
não deve ignorar: o papel dos sujeitos processuais; a correspondente es-
trutura procedimental; e a expansão das formas negociadas de adjudica-
ção de responsabilidade penal
32
, que se valem com frequência de méto-
dos invasivos de pesquisa de informações
33
.
Em primeiro lugar, trata-se de definir o estatuto jurídico dos sujei-
tos processuais. A tarefa consiste em compreender o que são direitos, de-
veres e poderes das partes e do juiz conforme o qualificativo “acusatório”
que, reitero, não se beneficia de designações “acusatório” e “inquisitório”
largamente usadas pela doutrina brasileira sob a inspiração de uma for-
mação jurídica autoritária.
A atuação judicial no processo penal está condicionada pela supe-
rioridade hierárquica da presunção de inocência relativamente aos de-
mais princípios processuais penais.
Na atualidade, não há sentido algum em perpetuar a digressão teó-
rica sobre se existe uma verdadeira “presunção de inocência” ou se o caso
é de falar em “presunção de não culpabilidade”.
Com efeito, parte-se da admissão de que “o procedimento penal é
uma pena”, conforme destaca Cavaliere, para que o processo seja mode-
lado de maneira a reduzir ao máximo os efeitos perversos das interven-
ções investigativas e dos poderes coercitivos
34
.
Citando Cavaliere, “a presunção de inocência não pode excluir qual-
quer intervenção sobre os direitos do imputado: caso contrário, seria radi-
calmente ilegítimo qualquer ato de investigação ou coerção que implique
uma lesão aos direitos do acusado, como por exemplo inspeções, regis-
tros, interceptações e a prisão preventiva”
35
.
Neste contexto, o juiz transforma-se em garante jurídico-constitu-
cional da presunção de inocência, o que é incompatível com funções per-
secutórias relacionadas à efetividade do direito penal no caso brasileiro.
32 A propósito: MUSCATIELLO, Vincenzo Bruno. "Il processo senza verità",
in
Verità e Processo Penale,
a cura de
Vincenzo Garofoli – Antonio Incampo. Milano, Giuffrè, 2012, p. 87 e seguintes (especialmente p. 92-5).
33 Pouco tempo antes da palestra, em 5 de agosto (2013), foi sancionada a Lei nº 12.850, que dispõe sobre “organi-
zação criminosa” e busca definir alguns métodos invasivos de pesquisa: “colaboração premiada”, “captação ambien-
tal” e “interceptação” das comunicações, “ação controlada”, “infiltração policial” e quebra de sigilos.
34
Las garantías del procedimiento en la experiencia italiana,
obra citada, p. 185.
35
Idem
, p. 184.