

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 550- 569, jan - fev. 2015
568
estratégico que resulta no fortalecimento das situações jurídicas de poder
da acusação e na destruição do caráter limitador dos direitos fundamentais.
De acordo com as estatísticas do Ministério da Justiça, relativa-
mente ao ano de 2010, o número de presos provisórios no Brasil era de
164.683 homens e mulheres
48
. Em idêntico período havia 496.251 pesso-
as presas, segundo a mesma fonte. A correlação revela muito claramen-
te como a prisão provisória tem se agigantado, correspondendo a pouco
mais de trinta por cento da população carcerária total.
Em pesquisa publicada em 2000, na obra
El Proceso Penal: Siste-
ma Penal y Derechos Humanos
49
, Eugenio Raúl Zaffaroni alertava para o
fato de que, na América Latina, o problema mais grave do sistema penal
consistia, por sua frequência e extensão, no exercício do poder punitivo
repressivo por meio da prisão preventiva que, na lição do mestre, tem
evidente filiação penal
50
.
Também a Comissão Interamericana de Direitos Humanos compar-
tilha da mesma preocupante opinião e por isso, em 01 de maio de 2007,
emitiu o Informe 35/07
51
, sobre o caso de fundo Jorge, José e Dante Peirano
Basso e República Oriental do Uruguai (caso nº 12.553), estipulando regras
para os Estados signatários da Convenção Interamericana de Direitos Hu-
manos, entre os quais o Brasil, acerca dos critérios desenvolvidos no âmbito
da Corte Interamericana para a validade jurídica das prisões preventivas
52
.
Convém destacar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos
teve a competência reconhecida pelo Brasil por meio do Decreto Legisla-
tivo nº 89, de 03 de dezembro de 1998 (art. 62 da Convenção).
48
http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htmconsultado em 19 de agosto de 2011.
49 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. "
Proceso Penal y Derechos Humanos: Códigos, princípios y realidad
"
in
:
El Proceso
Penal: Sistema Penal y Derechos Humanos,
México, Porrúa, 2000, p. 11.
50 Em análise retrospectiva da transição do Código Rocco ao novo Código de Processo Penal italiano, Giuliano Vas-
sali, jurista com protagonismo indiscutível nessa caminhada, relembrou afirmação de magistrado da Corte de Cas-
sação italiana, ainda na égide do Código Rocco, nitidamente autoritário, mas já alterado por interpretação da Corte
Constitucional. Disse o magistrado, não identificado por Vassali, que “se não se pudesse impor a detenção provisória
até mais não poder não haveria mais qualquer prisão no sistema atual.” Assim, salientava o magistrado, “quando
a prisão preventiva era usada, aplicava-se praticamente a única pena cabível”. Essa lógica, refutada por Vassali,
expressa, todavia, o recurso à prisão preventiva como resposta penal, usual também no ordenamento que inspirou
o brasileiro. VASSALI, Giuliano. "
Introduzione
",
in
:
L’inconscio inquisitório: Le eredità del Codice Rocco nella cultura
processualpenalistica italiana.
Milão, Giuffrè, 2010, p. 18.
51
http://www.defensapublica.org.ar/JURISDICCIONAL/Jurisprudencia/CorteInteramericanaDDHH/informe35del07_uruguay.pdf, consultado em 21 de agosto de 2011.
52 O exame detalhado do Informe e da decisão da Comissão, bem como dos precedentes da Corte Interamericana,
pode ser extraído da seguinte obra:
Encarcelamiento preventivo y estándares del sistema interamericano.
BIGLIA-
NI, Paola e BOVINO, Alberto. Buenos Aires, Editores Del Puerto, 2008.