

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 550- 569, jan - fev. 2015
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terial. Somente na década de 90 as interrogações comuns à criminologia
crítica passaram a integrar o acervo teórico de uma nova geração de pro-
cessualistas penais, impondo-se a tensão com o modelo técnico-jurídico
dominante, este influenciado pela teoria geral do processo (civil).
Pelo ângulo da dogmática do processo penal
21
, portanto, os juristas
brasileiros inicialmente tenderam a não reconhecer autonomia ao saber
processual penal em face do direito penal, quando tomam por objeto de
análise o conjunto de práticas herdadas das Ordenações do Reino de Por-
tugal e mesmo aquelas instituídas após 1822, como é o caso do referido
Código de Processo Criminal do Império e dos Códigos de Processo Pe-
nal dos estados (Províncias), em seguida à Proclamação da República e à
Constituição de 1891.
A rigor, a produção bibliográfica do período é definida como glosa
aos textos legais e apenas em época mais recente trabalhos de antropo-
logia e história têm recuperado o significado das reflexões jurídicas e po-
líticas de nossos primeiros processualistas penais e o papel destacado da
jurisprudência no período.
No imaginário dominante da doutrina processual brasileira a ciên-
cia processual penal dá seus primeiros passos em São Paulo, somente no
início do século XX, mas é com a chegada de Tullio Liebman ao Brasil,
com relevo para o desenvolvimento do processo civil, que se difundem as
ideias sobre a teoria unitária do processo e, a partir de então, o processo
penal passa a gozar de
status
científico, por parentesco com seu irmão
mais próspero.
22
Até o momento em que essas linhas são escritas a ruptura com a
teoria geral do processo (civil) não se consolidou de forma integral no
campo do processo penal.
Winfried Hassemer assinala que a ruptura paradigmática de fato é
algo raro no
campo jurídico
. Alerta o penalista alemão para a observação
de Thomas Kuhn, no sentido de que “as ciências superam os seus modelos
de explicação e de argumentação menos pela via da refutação que pela
21 Não custa lembrar que a dogmática processual penal tem em comum com a dogmática penal o fato de serem ambas
“o sistema de conceitos construído para descrever o Direito Penal [e processual penal], como setor do ordenamento
jurídico que institui a política criminal... do Estado, o programa oficial de retribuição e de prevenção da criminalidade”.
CIRINO DOS SANTOS, Juarez.
Direito Penal, Parte Geral
. 4ª ed. Florianópolis, Conceito Editorial, 2010, p. 71-2.
22 Sobre o advento do “método científico” no âmbito do processual penal, pelo ângulo descortinado pelos juristas
filiados à concepção técnico-jurídica no Brasil: GRINOVER, Ada P. “Teoria Geral do Processo”
in
O processo em evo-
lução.
2ª ed. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1998, p. 4.