Background Image
Previous Page  556 / 590 Next Page
Basic version Information
Show Menu
Previous Page 556 / 590 Next Page
Page Background

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 550- 569, jan - fev. 2015

556

Vargas entregou grávida aos nazistas para ser morta, após decisão por

sua extradição, ordenada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro em jul-

gamento de que participaram alguns de nossos mais festejados juristas

(Carlos Maximiliano entre outros) e que contou com a opinião pública fa-

vorável de Clóvis Beviláqua (autor do anteprojeto de Código Civil de mais

longa duração da República)

11

. A lei brasileira vedava expressamente a ex-

tradição de estrangeira grávida de brasileiro.

12

Importante ressaltar que os padrões autoritários de nosso sistema

de justiça criminal antecedem ao ainda vigente Código de Processo Penal

de 1941, inspirado no fascista Código Rocco (italiano), da década de 30 do

século passado.

A doutrina processual penal brasileira raramente interessou-se em

investigar as origens e modo de configuração de nosso modelo judiciário

penal, contentando-se na maioria dos casos com a conformadora “

histó-

ria legislativa

”.

Houvesse alguma dedicação ao tema e disposição ao diálogo inter-

disciplinar, os processualistas brasileiros teriam observado, com nossos

antropólogos e historiadores, que a crescente interiorização e presença

da Justiça Criminal no território brasileiro, ao longo do século XIX, resultou

da política de fortalecimento do poder central e alianças conjunturais com

as elites agrárias.

13

Optou-se pela instituição da ordem judiciária pela via da conversão

de agentes de polícia emmagistrados vinculados politicamente aos gover-

nantes locais, e ainda pela expansão das cadeias públicas, expressão da

política de contenção das dissidências e punição de escravos rebeldes

14

.

O domínio da ideologia racista, que mereceu atenção de expressivos

juristas e pensadores e provocou intensos debates, de modo especialmente

significativo às vésperas da abolição da escravidão, não pode ser desconside-

rado quando se tem em conta a cobertura normativa penal colocada à dispo-

11 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes.

A história do direito entre foices, martelos e togas: Brasil – 1935-1965.

São

Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 26-7 e 49.

12 O episódio – que em outros termos se repetirá ao longo da história judiciária brasileira - demonstra a falácia

consistente em acreditar na predominância de um positivismo jurídico de cunho estritamente formal-legal. Sempre

que funcional ao poder político de inspiração autoritária, esta modalidade de paleopositivismo foi abandonada em

prol dos anseios de “segurança e ordem pública” ou de “combate aos inimigos”.

13 Exemplos de reflexão diferenciada: ROCHA JUNIOR, Francisco de Assis do Rego Monteiro. "Os recursos criminais

julgados pelo Supremo Tribunal de Justiça do Império – o liberalismo penal de 1841 a 1871".

Biblioteca História do

Direito

. Curitiba, Juruá, 2013. FLORY, Thomas.

El juez de paz y el jurado en el Brasil Imperial, 1808-1871:

Control

social y estabilidad política en el nuevo Estado.

México, Fondo de Cultura Económica, 1981.

14 MAIA, Clarissa Nunes e outros.

História das prisões no Brasil.

V. I e II. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.