

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 550- 569, jan - fev. 2015
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Vargas entregou grávida aos nazistas para ser morta, após decisão por
sua extradição, ordenada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro em jul-
gamento de que participaram alguns de nossos mais festejados juristas
(Carlos Maximiliano entre outros) e que contou com a opinião pública fa-
vorável de Clóvis Beviláqua (autor do anteprojeto de Código Civil de mais
longa duração da República)
11
. A lei brasileira vedava expressamente a ex-
tradição de estrangeira grávida de brasileiro.
12
Importante ressaltar que os padrões autoritários de nosso sistema
de justiça criminal antecedem ao ainda vigente Código de Processo Penal
de 1941, inspirado no fascista Código Rocco (italiano), da década de 30 do
século passado.
A doutrina processual penal brasileira raramente interessou-se em
investigar as origens e modo de configuração de nosso modelo judiciário
penal, contentando-se na maioria dos casos com a conformadora “
histó-
ria legislativa
”.
Houvesse alguma dedicação ao tema e disposição ao diálogo inter-
disciplinar, os processualistas brasileiros teriam observado, com nossos
antropólogos e historiadores, que a crescente interiorização e presença
da Justiça Criminal no território brasileiro, ao longo do século XIX, resultou
da política de fortalecimento do poder central e alianças conjunturais com
as elites agrárias.
13
Optou-se pela instituição da ordem judiciária pela via da conversão
de agentes de polícia emmagistrados vinculados politicamente aos gover-
nantes locais, e ainda pela expansão das cadeias públicas, expressão da
política de contenção das dissidências e punição de escravos rebeldes
14
.
O domínio da ideologia racista, que mereceu atenção de expressivos
juristas e pensadores e provocou intensos debates, de modo especialmente
significativo às vésperas da abolição da escravidão, não pode ser desconside-
rado quando se tem em conta a cobertura normativa penal colocada à dispo-
11 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes.
A história do direito entre foices, martelos e togas: Brasil – 1935-1965.
São
Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 26-7 e 49.
12 O episódio – que em outros termos se repetirá ao longo da história judiciária brasileira - demonstra a falácia
consistente em acreditar na predominância de um positivismo jurídico de cunho estritamente formal-legal. Sempre
que funcional ao poder político de inspiração autoritária, esta modalidade de paleopositivismo foi abandonada em
prol dos anseios de “segurança e ordem pública” ou de “combate aos inimigos”.
13 Exemplos de reflexão diferenciada: ROCHA JUNIOR, Francisco de Assis do Rego Monteiro. "Os recursos criminais
julgados pelo Supremo Tribunal de Justiça do Império – o liberalismo penal de 1841 a 1871".
Biblioteca História do
Direito
. Curitiba, Juruá, 2013. FLORY, Thomas.
El juez de paz y el jurado en el Brasil Imperial, 1808-1871:
Control
social y estabilidad política en el nuevo Estado.
México, Fondo de Cultura Económica, 1981.
14 MAIA, Clarissa Nunes e outros.
História das prisões no Brasil.
V. I e II. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.