

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 550 - 569, jan - fev. 2015
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Havia significativa simetria entre o que se passava na esfera política
e o que veio a constituir a regra, em termos de sistema de justiça criminal.
Dessa forma, o silêncio, relativamente ao passado autoritário, tor-
nado possível pela lei brasileira de anistia, cuja interpretação oficial bene-
ficiava torturadores e agentes da repressão política, também caracterizou
o modo de atuar do sistema de justiça criminal, que passou a tratar de for-
ma praticamente indistinta o passado autoritário e o presente, em tese,
inspirado em princípios democráticos.
A formulação do discurso jurídico mudou, como será anotado
adiante. No âmago, porém, as práticas processuais penais continuaram as
mesmas do tempo dos regimes políticos autoritários.
Não há dúvida de que o conceito de “transição política”, para a his-
tória das ideias, registra o fato de que muitas das experiências consagra-
das em pleno autoritarismo terminam por conviver com outras, reprova-
das pela opinião geral, mas nem por isso desaparecidas
2
.
Os principais exemplos, no caso brasileiro, são a tortura
3
e a morte
de civis em confronto com a polícia. As recentes notícias sobre tortura e
extermínio seguem contando uma história que não encontrou na frontei-
ra entre a ditadura e a democracia barreira suficiente para conter abusos
e discriminações.
“O Fórum Brasileiro de Segurança Pública fez um levanta-
mento sobre o número de pessoas mortas por policiais no
Brasil, que foi divulgado pelo
O Globo
neste domingo. Segun-
do a pesquisa, 1.890 pessoas morreram após supostos confli-
tos com policiais em 2012.
No mesmo período, 89 policiais civis e militares morreram em
decorrência dos mesmos conflitos. A relação é de 21 pessoas
mortas para cada policial. Segundo a matéria, o FBI considera
“aceitável” uma relação de 12 pessoas para cada policial.”
4
2 MARTINS, Rui Cunha.
Ponto Cego do Direito:
The Brazilian Lessons.
2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
3 No Rio de Janeiro está em curso procedimento penal objetivando apurar as circunstâncias em que o pedreiro
Amarildo de Souza, supostamente, foi torturado e morto por policiais militares que investigavam o tráfico de drogas
no Bairro da Rocinha (antiga Favela da Rocinha, na Zona Sul da cidade).
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noti-cia/2013/10/justica-decreta-prisao-de-mais-pms-do-caso-amarildo.html Consultado em 04 de novembro de 2013.
4
http://revistaforum.com.br/blog/2013/11/no-brasil-cinco-pessoas-sao-assassinadas-pela-policia-por-dia/Consul-
tado em 04 de novembro de 2013. Segundo a pesquisa, o número apurado equivale a cinco pessoas mortas pela
polícia, por dia, no Brasil.