

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 550- 569, jan - fev. 2015
552
maneira profunda o estatuto jurídico dos principais sujeitos processuais e
introduziu novas pautas na relação entre juiz, Ministério Público e acusa-
do, em um visível empenho em reequilibrar a desequilibrada relação de
poder que estava enraizada no sistema de justiça criminal no Brasil.
Em tempo algum, desde a aprovação e breve vigência do Código de
Processo Criminal do Império, em 1832, com sua feição liberal, logo aban-
donada (1841), o processo penal brasileiro fora desafiado a transformar-
-se de forma tão profunda, com novos estatutos jurídicos atinentes às
partes e ao juiz. Salvo pelas mudanças ocorridas em meados do século
XIX, tampouco o processo penal no Brasil havia passado por alterações
com capacidade de produzir efeitos em todos os graus e instâncias de
exercício da jurisdição penal – do juiz criminal singular, no mais isolado
município, ao Supremo Tribunal Federal, em uma autêntica proposta de
renovação de sua estrutura.
As esperadas mudanças no cotidiano das atividades do sistema de
justiça criminal, todavia, não ocorreram. Não se ignora o quanto é difícil e
raro mudar. Os educadores lembram sempre: “uma estrutura muito anti-
ga nos impõe a permanência de um modelo”
1
.
As transformações no campo da justiça criminal sofrem ainda por
interatuarem com as mudanças políticas em geral e estas, na América La-
tina dos anos 90, mesclaram o peso das decisões sobre a transição do
autoritarismo à democracia e a forte onda neoliberal.
Há reflexos disso nas políticas de encarceramento massivo, incri-
minação dos movimentos sociais e também na expansão das estratégias
de controle da criminalidade, adotadas no marco do chamado “processo
penal de emergência”, para todo tipo de casos penais, técnicas que são
fruto das experiências da denominada luta antimáfia, na Itália, e contra o
terrorismo e o tráfico de drogas, nos Estados Unidos da América.
Os reflexos processuais penais deste vínculo entre sistema político
e sistema de justiça criminal tornaram-se evidentes, durante o período
inicial da transição política (1985-88), com o recurso à manutenção da
base teórica de processo penal consolidada entre os anos 30 e 70 do sé-
culo XX, cuja consequência mais visível consistiu na acomodação das tra-
dições inquisitoriais no âmbito das novas experiências políticas democrá-
ticas e republicanas.
1 MOSÉ, Viviane.
A escola e os desafios contemporâneos.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p. 65.