

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 550 - 569, jan - fev. 2015
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A comparação com a transição operada na Argentina, quase na
mesma época, e os vários exemplos de impermeabilidade do Sistema Pe-
nal brasileiro a categorias como a “presunção de inocência”, confirmam
a tese de que a democracia política até o momento não deu conta das
demandas de universalização do respeito à dignidade da pessoa humana,
desafio que requisita mudanças profundas no aparato repressivo do pró-
prio sistema, mas também na formação dos juristas.
Finalmente, reclama-se o uso da categoria da “acumulação quân-
tica de poder” para redefinir os critérios de avaliação dos Sistemas Pro-
cessuais Penais no marco de um autoritarismo renovado em suas práticas
inquisitórias.
1. Introdução
Em junho de 2008 foram aprovadas três leis que tinham por obje-
tivo adaptar o processo penal brasileiro aos parâmetros definidos pela
Constituição da República de 1988 e pelos tratados internacionais sobre
direitos humanos, em especial o Pacto de São José da Costa Rica, que
fora introduzido no ordenamento jurídico em 9 de novembro de 1992, por
meio do Decreto nº 678/92.
Emmaio de 2011 foi aprovada a Lei nº 12.403, que passou a vigorar
a partir de junho daquele ano, e que de alguma maneira complementava
o esquema legal de reformas do processo penal brasileiro.
Assim, no intervalo de três anos, o modelo de processo penal que
sobrevivera a duas ditaduras, desde 1941 – época do Estado Novo –, e se
impusera como marco jurídico e de mentalidade no cenário do sistema
de justiça penal no Brasil, perdia sua referência legal, em grande parte
responsável pelas permanências autoritárias, e em tese condenava à ile-
galidade práticas que durante mais de seis décadas imperaram e foram
responsáveis pela sobrevida de um modelo inquisitorial que sequer ape-
lava ao disfarce.
As mencionadas leis alteraram os regimes jurídicos da prova e das
medidas coercitivas de índole cautelar, assim como a estrutura dos proce-
dimentos comuns e do Júri.
Mais do que isso, porém, a minirreforma do processo penal, consi-
derada pelo ângulo interno peculiar à dogmática analítica, modificou de