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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 488 - 506, jan - fev. 2015

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ficas – tal como a pragmática transcendental de Habermas –, e que des-

considere o problema da

différance

, isto é, na perspectiva de Derrida, no

vínculo que une as línguas através suas

diferenças

e

adia

indefinidamente

a possibilidade de um consenso, uma reunião ou um monolinguismo final

entre as línguas mundiais. Ora, a condição da relação entre línguas não é

a inclusão do

outro

em uma unidade total – espécie de síntese absoluta,

de reconciliação total ou simplesmente de destruição da torre de Babel -,

mas é precisamente o laço inevitável que produz a diferença e que barra

qualquer possibilidade de se pensar uma língua “em si” mesma, em uma

presença puramente autônoma e isenta de todas as “impurezas” do con-

tágio das outras línguas, via diferença.

A partir desta perspectiva, surge um problema para a leitura con-

sensual de Habermas. Podemos pensar que não é exatamente o mode-

lo paradigmático e transcendentalista da comunicação que possibilita à

descrição habermasiana dispensar e transcender a referência às “línguas

de chegada” ou línguas específicas; mas, ao contrário, que um modelo

transcendentalista e universalista da comunicação

só é possível na medi-

da em que se supõe ser dispensável o pensamento sobre as línguas e sobre

a diferença entre línguas.

Pensar a língua do ponto de vista da tradução

4

equivale a rejeitar uma espécie de metalinguagem que desconsidera as

línguas em sua relação de diferença

5

. Os ditos “falantes competentes”

(em seu texto, Derrida usa o próprio termo de Habermas), portanto, fa-

lam uma língua que, de um ponto de vista mais pragmático que o próprio

pragmatismo pode supor, não conta com referências fixas e sentidos ori-

ginais. A língua do outro é a condição para a língua que falo. Trata-se de

um pensamento da tradução absoluta que, ao contrário da metalingua-

gem absoluta, entende as línguas faladas, ditas “de chegada”, como tra-

duções sem original. Não havendo “a” língua primeira, original, trata-se

de um processo de tradução geral de uma língua para outra, não apenas

entre diferentes culturas, mas, de traduções gerais inclusive dentro de um

mesmo idioma.

Não existe uma língua transcendente acima da diferença

entre língua, não existe metalinguagem

. Existem, no entanto,

efeitos

de

metalinguagem. Tentativas de objetivação e de aniquilação da tradução

como condição de toda língua. É este, precisamente, o caso da expropria-

ção colonial e da servidão histórica. No entanto, o mesmo “não domínio

4 Forma como Derrida caracteriza o pensamento da diferença em relação às línguas.

5 Neste ponto, não é Derrida de depende de uma posição metasituada – ao contrário, ele a rejeita radicalmente -,

mas será Habermas aquele que não pode dispensá-la.