

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 488 - 506, jan - fev. 2015
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mundo, deve haver algo – e eis aqui sua hipótese fundamental – na pró-
pria estrutura da comunicação que possibilite a
reunião
ou reconciliação
dos interessados que tomam parte na querela ou na disputa em questão.
Para Habermas, fazer uso da normatividade, lançar mão do caráter estri-
tamente normativo inerente a toda discussão bem-sucedida possibilitaria
encontrar uma legitimação que ofertasse um caráter
universal
a toda ação
sem necessidade de qualquer recurso a uma lei transcendental ou a qual-
quer norma externa ao próprio engajamento dos interlocutores no diálogo.
O interesse de Habermas é o de recuperar a possibilidade do uni-
versal como horizonte da filosofia prática (seguindo, assim, um caminho
de caráter kantiano). Por outro lado, contra Kant, ele busca um paradigma
deslocado de toda filosofia do sujeito. Habermas acredita poder dispen-
sar o recurso a uma filosofia do sujeito ao ter encontrado na comunica-
ção a legitimação necessária para reunir o universal à filosofia prática. A
comunicação se torna o campo de combate próprio à Habermas. Ao re-
construir as condições de possibilidade de toda comunicação, Habermas
defende uma
legitimação
pela relação de comunicação que garante uma
forma de
universalidade
pragmático-transcendental. Tal racionalidade se-
ria praticada diariamente pelos interlocutores comuns: todos discutimos
com intenção de alcançar um consenso. Essa universalidade pragmático-
-transcendental
emanaria da própria prática comunicacional cotidiana
do
chamado “mundo da vida”.
Deste modo, Habermas reconhece que, fundamentalmente, uma
comunicação só acontece quando todos os interlocutores em jogo com-
preendem
igualmente
as razões que fundamentam e sustentam todos os
enunciados. Se os interlocutores estão de acordo (1) com as pretensões
de
validade
dos argumentos em questão e também (2) com as pretensões
de
verdade
e (3) com a
sinceridade
do interlocutor, temos uma situação
de comunicação bem-sucedida e um vínculo social é estabelecido. A pro-
dução de sentido numa situação de comunicação só é possível através
deste vínculo comunicacional entre
validade e significação
(que supõe a
verdade e a sinceridade dos enunciados). Quando uma situação de co-
municação se interrompe, tal interrupção acontece precisamente porque
se interrompe o
vínculo
entre validade e significação – vínculo esse que
possibilitava a própria comunicação em si mesma. Ao interromper-se a
comunicação, inicia-se em seguida a
discussão
. Ora, a discussão será pre-
cisamente o momento onde as razões que fundamentam os argumentos