

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 488 - 506, jan - fev. 2015
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mas de fé. Pode se tratar também de pensamentos, questio-
nadores ou não, e que tentando pensar a razão e a história da
razão, excedem necessariamente sua ordem, sem tornar-se
por esse simples fato irracionais, ainda menos irracionalistas;
porque eles podem ter também como tarefa, contudo, per-
manecer fiéis ao ideal das Luzes [Lumières], da
Aufklärung
ou do Illuminismo, reconhecendo seus limites para trabalhar
nas Luzes desse tempo, desse tempo que é o nosso – hoje.
Hoje, hoje ainda
(DERRIDA, 1991, p. 77).
Ora, o projeto político habermasiano, sua boa intenção aparente
e seu perigo eminente, se funda na reivindicação de uma razão que haja
de modo transparente na reconciliação ou num suposto consenso. É as-
sim que Derrida vai apontar que a rejeição do problema da tradução e
da
différance
no pensamento sobre a língua e a comunicação mascara
um problema fundamental: um projeto político que desconsidere o lugar
da alteridade e, portanto, o rastro do outro, deve nos manter vigilantes.
A reivindicação da herança da modernidade europeia por Habermas, na
perspectiva de Derrida, mascara uma institucionalidade oriunda da Euro-
pa (ainda que não presente apenas na Europa), mas que deve nos manter
atentos e vigilantes onde quer que se apresente. O pluralismo universa-
lista de Habermas também deve ser submetido à crítica – e talvez possa
revelar em si mesmo um poderoso contextualismo:
Os projetos europeus os mais bem intencionados, aparente-
mente e expressamente pluralistas, democráticos e toleran-
tes, nessa bela competição para “conquistar os espíritos”, po-
dem tentar impor a homogeneidade de um meio [medium],
de normas de discussão, de modelos discursivos [...] Esses
projetos se multiplicam hoje, e nós poderíamos nos alegrar
com eles, desde que nossa atenção não adormeça; porque
é preciso aprendermos a detectar as novas formas de toma-
da de poder cultural, para resistir a elas. Isso também pode
parecer um novo espaço universitário e sobretudo um dis-
curso filosófico. Sobre pretexto de defender a transparência
(“transparência”, com o “consenso”, é uma das palavras de
ordem do discurso “cultural” que eu evoquei a pouco), pela
univocidade da discussão democrática, pela comunicação no