

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 488 - 506, jan - fev. 2015
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Ele teria sido, portanto, aquele pensador capaz de revelar o
verdadeiro
pro-
jeto moderno, “enquanto tal”, nos dias atuais. Tal herança só pôde ser
rei-
vindicada
pela filosofia habermasiana quando foi possível demostrar a
uni-
dade
e a reconciliação entre o pensamento das Luzes, as tradições analítica
e humboldtiana e a historicidade de Hegel e Marx (via agir comunicativo). A
partir do lugar reivindicado e ocupado pelo pensamento habermasiano, o
filósofo oferece a si mesmo a tarefa de ser um vigilante zelador da democra-
cia e da inclusão do outro no seio do projeto moderno democrático.
Contra a homologia do consenso, a unicidade sem unida-
de e a democracia por vir
Como os homens estariam implicados na modernidade hoje, em
nosso momento atual? A resposta habermasiana certamente seria: atra-
vés da garantia da legitimidade da razão exercida através da prática da co-
municação que garante por si mesma a inteligibilidade dos enunciados e
legitima a própria racionalidade da ação. A modernidade representaria a
saída do homem de seus círculos contextualistas, em direção a campos de
discussão mais amplos, fora da autoridade local (e tradicionalista) de um
povo ou de uma religião, ou mesmo de uma cultura nacional, em direção
a contextos cosmopolitas
3
. A oposição a essa herança moderna represen-
ta, para Habermas, ou um retorno a um conservadorismo irracionalista
ou uma apologia do contextualismo político oposta ao caminho tomado
pelas modernas democracias:
Até o surgimento da modernidade, os ensinamentos proféti-
cos eram também religiões mundiais no sentido de que eram
capazes de se expandir dentro dos horizontes cognitivos de
3 Em
Filosofia em tempo de terror
(BORRADORI, 2004), livro assinado por Borradori em parceria com Derrida e com
Habermas, este último lança uma provocação ao autor da desconstrução acusando-o precisamente de praticar um
contextualismo “metasituado”, se assim podemos nos expressar: “A constante suspeita desconstrutivista de nossos
preconceitos eurocêntricos levanta uma contraquestão: por que o modelo hermenêutico de entendimento – que
funciona nas conversas do cotidiano e, desde Humboldt, tem sido metodologicamente desenvolvido a partir da prá-
tica de interpretar textos – deveria subitamente partir para além das fronteiras de nossa própria cultura, do nosso
próprio modo de vida e da nossa tradição? [...] Também é possível mostrar, com argumentos gadamerianos, que a
ideia de um universo de significados contido em si mesmo, que não pode ser mensurado a partir de outros universos
do mesmo tipo, é um conceito inconsistente” (HABERMAS
in
BORRADORI, 2004, p. 49). Pretendemos mostrar mais
adiante que a acusação de posição metasituada contra Derrida – ilustrada na suposição de que se deve “sair” de sua
própria cultura - não encontra lastro em seu texto e visamos, além disso, problematizar – ainda a partir de Derrida - a
proposta universalista de Habermas com sua confortável posição “eurosituada”.