

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 488 - 506, jan - fev. 2015
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apropriado de uma língua” que caracteriza a situação do colonizado (visto
do ponto de vista do colonizador) deve alcançar igualmente o coloniza-
dor. Derrida pratica aqui uma
universalização da situação do colonizado
,
apontando que o parasitário já se inscreve como condição da língua dita
“normal” ou de origem. Uma língua nunca se reduz ao pertencimento, à
propriedade ou ao domínio: tanto o colonizador quanto o colonizado pre-
cisam se apropriar de sua língua através de um processo:
[...] não natural de construções político-fantasísticas; porque
a língua não é seu bem natural, por isso mesmo, historica-
mente pode, através da violação de uma usurpação cultural
– vale dizer, sempre de essência colonial -, fingir que se apro-
pria dela para impô-la como “sua” [...] a língua fala desse
ciúme, [minha] língua não é mais do que um ciúme desatado
(DERRIDA 2012, 38).
A língua, portanto, fala da alteridade
6
em mim. A língua que falo
é sempre efeito de uma alienação. Minha língua, a única língua que falo,
não é minha. Minha língua é sempre a língua do outro. Se não contamos
com uma língua primeira, original, é preciso traduzir. No entanto, minha
tradução é sempre uma tradução total, tradução sem referência. Trânsi-
to que não se faz de uma língua presente à uma outra língua, mas que
constitui o próprio movimento, o choque entre minha invenção, minha
apropriação da língua e o outro de onde tal língua provém.
Toda língua, contudo,
promete
o encontro derradeiro com o outro.
Toda fala
promete uma unidade futura
de uma língua única. Basta que
se abra a boca para falar algo – ao contrário do que supõe Habermas, não
estamos neste caso no agir comunicativo – mas estamos no campo da pro-
messa. Ao me dirigir ao outro, estabeleço uma promessa. Uma fala não é
apenas
ato de fala performativo
7
, um
speech act
, mas se configura sempre
como um ato de promessa. Esse suposto
monolinguismo
, promessa de uma
unidade futura, traduzido habermasianamente como consenso, permane-
ce, para Derrida, como a verdadeira
promessa
de uma língua... promessa,
no entanto, de uma
unicidade sem unidade
(pensada via diferença):
6 Derrida batiza essa inevitável inscrição da alteridade em toda presença, em tudo que é tomado autonomamente
ou “em si mesmo” com o termo
rastro
[
la trace
].
7 Teoria oriunda dos estudos de J. L. Austin e John Searle reivindicada por Habermas em seus escritos.