

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 488 - 506, jan - fev. 2015
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dotado de linguagem. A linguagem é vista por Habermas como o princípio
e o fundamento da razão – ela não é um meio, mas é aquilo que g
arante
a racionalidade – e a razão, por sua vez, é o que garante a ação e a norma-
tividade de uma sociedade, das instituições ou das ações na vida social.
Deste modo, superar a filosofia do sujeito legada pelo kantismo não
exime Habermas do problema antropológico e de uma antropologia filo-
sófica. Ora, pode-se perguntar – a partir de Heidegger, mas também a par-
tir de Derrida – se uma antropologia ou a reivindicação de um humanis-
mo não seria, ele próprio,
o ponto mais problemático de todo e qualquer
deslocamento possível do lugar do sujeito
e mesmo de uma racionalidade
de caráter estritamente “ocidental”
1
. Habermas vincula a
essência do ho-
mem à linguagem e, através dela, vincula o homem à racionalidade
ou
à razão. Tal gesto justificaria a insistência habermasiana em fundar todo
agir no logos e em sua busca em garantir a racionalidade da ação. Ora, ao
“essencializar” o lugar do homem na razão, Habermas se ofusca e rejeita
– sem possibilidade de discussão – qualquer possibilidade de saída do cír-
culo do agir comunicativo, caracterizando mesmo tal possibilidade como
impossível! Basta ter a
intenção
de dizer algo
sobre
o mundo que todo in-
terlocutor terá aceito, ato contínuo, o agir comunicativo, “de outro modo,
[o crítico] teria que se refugiar no suicídio ou numa grave doença mental
[...] não é possível sequer a título de experiência fictícia [imaginar que] o
céptico conseguisse demonstrar de maneira muda e impressiva seu salto
para fora do agir comunicativo” (HABERMAS 1989, 123)
2
.
Habermas acredita ter conseguido
refundar a racionalidade
na lin-
guagem, garantindo, assim, a continuidade dos projetos de autonomia
cosmopolitas (institucionais ou não) oriundos do pensamento das Luzes.
1 Retomaremos esta questão adiante.
2 Essa radical “inclusão excludente” do outro na proposta do agir comunicativo de Habermas, repete silenciosamen-
te o movimento fundador de Aristóteles ligado ao estabelecimento do princípio mais fundamental ao
logos
, aquele
que garante a possibilidade da
univocidade do sentido
(e a fuga da contradição lógica), isto é, a apresentação do
princípio de não contradição
(PNC) por Aristóteles, no livro
Gama da Metafísica
(ARISTÓTELES 1998). Ao combater a
proposta dos sofistas que, em sua opinião, valorizavam a metáfora em detrimento do
logos
, Aristóteles propõe que
os negadores do princípio de não contradição cairiam, eles próprios, numa contradição lógica “irracionalista” por-
que “não significar uma coisa única, é não significar nada, e se as palavras não significam, destrói-se a possibilidade
de dialogar [...] a palavra significa alguma coisa e significa uma única coisa” (ARIST TELES 1998, 1006b 5-15). Ora,
para Aristóteles, a única possibilidade de não cair em contradição ao ingressar num diálogo – negando a unicidade
do sentido –, seria calar-se; nesse silêncio do outro “um tal homem [...] seria de saída parecido com uma planta”
(ARIST TELES 1998, 1006a 15). Para Habermas, em contrapartida, o sentido unívoco não é mais “transcendental”,
sendo condição para toda comunicação, mas é uma exigência normativa (
telos
) para que haja
legitimação
universal,
condição para o
agir comunicativo
. A impossibilidade, sob pena de contradição lógica, de rejeitar o PNC se repro-
duziria em Habermas (como impossibilidade de rejeitar a ética da comunicação) com o conceito de
contradição
performativa
, conceito usado por Habermas
contra
Derrida.