

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 488 - 506, jan - fev. 2015
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Essa lógica do Espírito pode ser detectável mesmo entre pensadores
que não reivindicam um pensamento do espiritual ou uma filosofia do Es-
pírito, e por vezes mesmo o rejeitam. O trabalho mesmo de Derrida parece
atestar esse problema, como aponta muito precisamente Fredric Jameson:
[...] pode-se enxergar virtualmente todo o trabalho da vida
de Derrida como uma análise e desmistificação simplesmen-
te de uma ideologia do Espiritual e do idealismo que conti-
nuou a enformar a tradição europeia: até mesmo as rela-
ções com o existencialismo do pós-guerra foram moldadas
por essa sensação de que seus pressupostos fenomenológi-
cos permaneceram profundamente idealistas [...] De fato, a
crítica central ao próprio Heidegger, em um ensaio mordaz
chamado
De l’esprit
e, embora atravessado pelas questões
(relacionadas) de sexualidade e gênero, gira muito em torno
do suspeito e sintomático retorno, nos escritos políticos de
Heidegger no início do período nazista (e mais obviamente
em sua aula inaugural como Reitor da Universidade de Frei-
bourg), de toda a linguagem do
Geist
e da espiritualidade da
qual seus textos mais filosóficos iniciais tinham simplesmente
estigmatizado
(JAMESON, 2008, p. 50).
Jürgen Habermas se ocupa em pensar em sua obra as condições
de possibilidade e legitimação de uma ética baseada na normatividade
da comunicação tal como ela é praticada ordinariamente, cotidianamen-
te, e por vezes mesmo de maneira irrefletida. Com isso, Habermas lan-
ça mão de um pragmatismo que dispensaria qualquer referência a uma
unidade de tipo espiritual (ainda que não abra mão de certa forma de
transcendentalidade ou de idealismo). Como em Hegel, Habermas herda
de Kant a preocupação de uma autofundação ou legitimação da razão. O
que interessa ao pensamento habermasiano é analisar como os indivídu-
os (mas também os Estados nacionais e o direito transnacional no interior
da democracia) superam as fraturas comunicacionais que eventualmente
separam em oposições ou em polos distintos dois ou mais interlocutores.
Ora, argumenta Habermas, se o consenso – ou a
reconciliação
, para usar
o termo de Hegel – é possível mesmo emmeio a uma disputa de visões de