

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 488 - 506, jan - fev. 2015
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universal que o Espírito representa. O projeto hegeliano surge como uma
promessa de dar fim à confusão e obscuridade filosófica, se mantendo
no interior da
herança
kantiana, herança essa que busca uma justificação
racional para a filosofia.
Assim, diante da polarização da experiência nos dualismos moder-
nos, Hegel toma para si mesmo – assim como outros pensadores pós-
-kantianos, como Fichte e Schelling – a tarefa de reconstruir a unidade da
experiência a partir dos termos que teriam sido excessivamente divorcia-
dos ou polarizados no pensamento de Kant. A
Aufhebung
hegeliana repre-
senta em si mesma a aposta dialética na superação dos problemas legados
pelo kantismo. Ora, a tautologia representada pelo pensamento hegeliano
– que toma o
imediato
(que corresponderia a uma pura indistinção sem
polaridades) ao mesmo tempo como “erro fundamental” e como universal
absoluto, no retorno à essa “posição” inicial, após a subsunção das distin-
ções polares kantianas – não pode ocultar o fato de que a terceira “posição”
dialética – que superaria, assim, as antigas polaridades entre eu e mundo,
sujeito e objeto, sensibilidade e entendimento – acaba por reproduzir si-
lenciosamente as mesmas antigas oposições, simplesmente
tendendo a su-
pervalorizar
um ou outro dos polos anteriormente em litígio. Deste modo,
o Espírito hegeliano configura-se como um
super-sujeito
ou um
super-eu
(com todas as ressonâncias freudianas possíveis aqui), que, por haver “do-
mado” a objetividade (em nome do sujeito ou da razão), faz crer resolvidas
as contradições. Deste modo, Hegel representa o pensamento que aposta
numa concretização ou fechamento da história, numa superação de todas
as contradições, em nome de uma unidade filosófica, em nome do
logos
.
Essa reconciliação (ou consenso,
homologia
, isto é, “mesmo logos”) que se
chama Espírito – e que depende da superioridade de um dos termos da
contradição sobre o outro –, sustentado na possibilidade de totalização do
logos
, ao mesmo tempo em que produz um fechamento, o Absoluto, é pa-
radoxalmente responsável pela possibilidade de se antever um “fora”. Fora
do Espírito, “fora” do
logos
ou da tradição:
Hegel é o filósofo da tradição filosófica; em seu escrito a
tradição está fechada e preenchida, consumada. Mas este
ato mesmo também é constitutivo da tradição, tornando-a
visível enquanto tal e, portanto, aberta para o quê irá neces-
sariamente aparecer como seu “fora”. Hegel cria o que vai
ser chamado de “fechamento metafísico” (Heidegger) e de