

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 39 - 53, jan - fev. 2015
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O exercício autoritário do poder depende, para sua sobrevivência,
da
servidão
voluntária
dos cidadãos. Acima de tudo, é preciso que o dis-
curso do mestre opere a sua revolução em outro sentido, diria Lacan, “
no
de giro que se completa”
.
24
“Esse discurso do mestre já tem seus créditos na tradição filosófi-
ca. No entanto, tal como o tento depreender, ele adquire aqui uma nova
relevância pelo fato de poder, em nossa época, ser depreendido de uma
espécie de pureza – e isto por algo que experimentamos diretamente no
plano da política”.
25
Ainda no séc. XVI Étienne de La Boétie já se perguntava “como tan-
tos homens, tantos burgos, tantas cidades e tantas nações suportam às
vezes um tirano só, que não tem mais poder que o que lhe dão, que só
pode prejudicá-los enquanto quiserem suportá-lo, e que só pode fazer-
-lhes mal se ele preferirem tolerá-lo a contradizê-lo”.
26
O questionamento insuportável para Étienne de La Boétie é tentar
compreender como as pessoas são capazes de criar raízes de servidão tão
profundas, subjugando o valor que a liberdade possui para os homens.
Nesta condição, esquecem que “somos todos companheiros, ou melhor,
todos irmãos” somente para que “cada um pudesse olhar-se e por assim
dizer reconhecer-se no outro”.
27
Em a “Psicologia das massas e análise do Eu”, Freud
28
trabalha bri-
lhantemente com alguns conceitos importantes, retomados por Gerard
Pommier em
Freud Apolítico
?
.
29
Ali se vê como todos os sistemas moder-
nos de dominação puderam manipular a homogeneidade das massas nas
mãos de um
líder
que puxa os “cordões das marionetes daqueles que são
cante materno. (...) É na medida em que o pai substitui a mãe como significante que vem a se produzir o resultado
comum da metáfora (...) o elemento significante intermediário cai, e o S se apodera, pela via metafórica, do objeto
do desejo da mãe, que então se apresenta sob a forma de falo”. LACAN, Jacques.
O Seminário,
Livro 5: as formações
do inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p. 181.
24 LACAN, Jacques.
O Seminário,
Livro 17: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1992, p. 91.
25 LACAN, Jacques.
O Seminário,
Livro 17: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1992, p. 91.
26 LA BOÉTIE, Étienne de.
Discurso da Servidão Voluntária.
(trad. Casemiro Linarth). São Paulo: Martin Claret, 2009,
p. 30. “aquele que vos oprime tem só dois olhos, duas mãos, um corpo, nem mais nem menos que o mais simples
dos habitantes do número infinito de vossas cidades; O que ele tem a mais são os meios que lhe destes para destrui-
-vos”. LA BOÉTIE, Étienne de.
Discurso da Servidão Voluntária
. Op. cit
. p. 36.
27 LA BOÉTIE, Étienne de.
Discurso da Servidão Voluntária.
Op. cit.
p. 38.
28 FREUD, Sigmund. "Psicologia das Massas e Análise do Eu"
In
Obras Completas de Sigmund Freud
, v. IX.
Rio de
Janeiro: Delta S.A
29 POMMIER, Gerard.
Freud Apolítico?
(trad) Patrícia Chitonni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.