

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 39 - 53, jan - fev. 2015
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falas sobre o bem público e o interesse geral, pretende se conservar pelo
simples fato do poder pelo poder.
“Os imperadores romanos também não se esqueceram de apro-
priar-se comumente do título de tribuno do povo, porque esse ofício era
considerado santo e sagrado. Estabelecido para a defesa e proteção do
povo, gozava de alta aceitação no Estado. (...) Hoje não são melhores os
que, antes de cometerem seus crimes mais graves, sempre os fazem pre-
ceder por alguns belos discursos sobre o bem público e o interesse geral.
Pois, ó Longa, conheces bem o formulário do qual eles podem servir-se
commuita sutileza em alguns lugares. Mas é possível falar em fineza onde
há tanto descaramento?”.
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É dessa forma que o “ditador”
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, se fazendo de um grande pai, ins-
taura a lógica da obediência social à sua “
lei”.
Afinal e a bem da verdade,
“o mestre deve ser obedecido – não porque nos beneficiaremos com isso
ou por alguma outra razão desse tipo – mas porque ele assim o diz. Não
há razão para que ele tenha poder: ele simplesmente tem”.
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Curiosamente, este homem que se coloca como
mestre
precisa es-
conder a sua própria fragilidade e assim o faz ocultando o fato de que
ele mesmo, como qualquer um, também é um “ser da linguagem que su-
cumbiu à castração simbólica: a divisão entre consciente e inconsciente
acarretada pelo significante é velada no discurso do mestre e aparece na
posição de verdade: a verdade dissimulada”.
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O discurso do mestre levado a efeito pelo
caudilho
deseja fazer-
-se unívoco
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, organizando uma série de saberes que apenas funcionam
ao seu serviço
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. Dentre estes, o que mais se sobressai, o saber blindado
de contestação e infiltrado no senso comum, é o saber jurídico-criminal,
responsável por construir uma rede teórica de manipulação ideológica em
prol do controle punitivo institucionalizado
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.
43 LA BOÉTIE, Étienne de.
Discurso da Servidão Voluntária.
Op. cit
. p. 56/57.
44 Quando se fala em “ditador” estar-se-á fazendo referência não a um modelo específico de regime político, mas
do exercício autoritário do poder, como sói ocorrer comumente em democracias formais. Da mesma forma, tem-
-se dito que o papel da função paterna, como operador, poderá ser exercido por instituições, o que é ainda mais
comum atualmente.
45 FINK, Bruce.
O sujeito Lacaniano:
entre a linguagem e o gozo. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 161.
46 FINK, Bruce
. O sujeito Lacaniano:
entre a linguagem e o gozo. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 161.
47 LACAN, Jacques.
O Seminário,
Livro 17: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1992, p. 108
48 FINK, Bruce.
O sujeito Lacaniano:
entre a linguagem e o gozo. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 164.
49 Aqui se encontra toda uma tradição autoritária enraizada no senso comum, que alcança das teorias justificacio-
nistas da pena (prevenção geral e especial) à retórica da ressocialização pela privação da liberdade.