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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 39 - 53, jan - fev. 2015

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quem é o detentor do direito e, desta forma, atua como pai simbólico,

operando a frustração com que terá que lidar o filho, em seu “ato imagi-

nário concernente a um objeto muito real, que é mãe”.

12

A presença deste pai

suficientemente

(não

exageradamente

) mau,

fornece o que o sujeito precisa para, diante dos efeitos da presença pa-

terna no inconsciente, introjetar todas as formas de interdição que lhe

serão impostas na vida. O que pretendemos ver no transcorrer deste bre-

ve ensaio, porém, é a maneira com que o poder autoritário estatal veste

alguém como o “Grande Pai” impondo variadas formas de opressão, a que

aparentemente se submetem os cidadãos de forma voluntariosa.

A figura do pai, outrora imprescindível à constituição psíquica do su-

jeito, é rearranjada pelo detentor do poder estatal. Isto até faria um sentido

legítimo, se a repressão não retornasse travestida em

leis

, apenas como

forma de consolidar o próprio projeto político do poder constituído

13

.

Por isso, o discurso produzido pela psicanálise é tão importante à

análise da estrutura político-social, afinal, a questão do autoritarismo pas-

sa fundamentalmente pela tentativa do detentor do poder estatal de se

tornar operador da função paterna, tornando as leis a própria manifesta-

ção da Lei e, com isto, obter toda forma de obediência de que precisa. O

problema é que a psicanálise não está a serviço do poder, é essencialmen-

te antinormativa

14

e, portanto, instaura um questionamento radical às leis

produzidas como instrumento de submissão, seja à moral sexual oficial,

seja aos interesses do regime de poder imperante.

12 LACAN, Jacques.

O Seminário,

Livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p. 178. “O

papel da mãe é o desejo da mãe. É capital. O desejo da mãe não é algo que se possa suportar assim, que lhes seja

indiferente. Carreia sempre estragos. Um grande crocodilo em cuja boca vocês estão – a mãe é isso. Não se sabe o

que lhe pode dar na telha, de estalo fechar a sua bocarra. O desejo da mãe é isso. (...) Há um rolo de pedra, é claro,

que lá está em potência, no nível da bocarra, e isso retém, isso emperra. É o que se chama falo”. LACAN, Jacques.

O

Seminário,

Livro 17: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1992, p. 118.

13 A fabricação de leis para afirmar um projeto de poder é conhecida no Brasil, para não falar da malfadada Lei de

Segurança Nacional (Lei. 7.110/83) ou da própria Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67), com dispositivos recentemente

declarados como não recepcionados pelo Supremo Tribunal Federal, veja, neste contexto, o que não é a lei de drogas

(Lei n. 11.343/06). Esta lei é um exemplo claro de instrumento à seletividade criminal e controle punitivo da pobreza,

com a finalidade de manutenção do

status quo

através do encarceramento de pequenos comerciantes varejistas (a

relação entre projeto de poder, criminalização da droga e a reinvenção do inimigo interno da figura do traficante

é demais conhecida no estudo da criminologia). Além disso, a repressão criminal da utilização pessoal de drogas

viola o princípio jurídico da lesividade ou, em termos psicanalíticos, a possibilidade de

gozar

do próprio corpo sem

ofender ninguém.

14 GUYOMARD, Patrick. "A Lei e as leis".

In:

ALTOÉ, Sonia.

A Lei e as leis

. Rio de Janeiro: Revinter, 2007, p. 05. “Freud,

desde o início do século, por exemplo, nas suas primeiras conferências sobre a moral sexual civilizada, muito antes

de falar do instinto de morte, da violência ou da destruição, considerou que o preço pago para obedecer às normas

sociais e para obedecer à moral sexual oficial representava um trabalho psíquico, uma energia psíquica, que poucos

homens e mulheres podiam pagar sem ficar doentes”.