

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 39 - 53, jan - fev. 2015
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No cotejo que aqui se estabelece entre a lógica da castração, a me-
táfora paterna e a submissão voluntária da massa ao poder autoritário
estatal (encarnado no amor à pessoa ou a uma instituição) sobressai a
questão da identificação com o pai e da substituição do Ideal do Eu por
um objeto exterior
39
. Afinal, como disse Freud
40
:
“O caudilho é ainda o temido pai primitivo. A massa quer sempre
ser dominada por um poder ilimitado. Ávida de autoridade, possui, se-
gundo as palavras de Gustavo Le Bon, uma inesgotável sede de submis-
são. O pai primitivo é o ideal da massa, e este ideal domina o indivíduo,
substituindo nele o seu ideal do Eu”.
A ponderação é relevante, a considerar que a hipótese levantada
neste ensaio assume a ideia de que o
chefe
nada mais pretende do que se
investir como operador da função paterna. Mas como o
líder
efetivamen-
te se impõe?
Certamente, pelo discurso
41
. Que discurso? O
discurso do mestre
.
Como disse Bruce Fink
42
: “o discurso dominante no mundo atual é,
sem dúvida, o discurso de poder: o poder como meio de alcançar x, y e
z, mas em última instância, o poder pelo poder”. O exercício autoritário
do poder estatal, portanto, embora sempre se faça representar por belas
39 “Já tentamos explicar este milagre, supondo que o indivíduo renuncia a seu ideal do Eu, trocando-o pelo ideal
da massa, encarnado no caudilho. Acrescentaremos, a título de retificação, que o milagre não é igualmente grande
em todos os casos. O divórcio entre o Eu e o ideal do Eu é, em muitos casos, pouco acentuado. Ambas as instâncias
aparecem ainda quase confundidas e o Eu conserva ainda sua antiga satisfação narcísica de si mesmo. A eleição
do caudilho torna-se consideravelmente facilitada nestas circunstâncias. Bastará que possua, com relevo especial,
as qualidades típicas de tais indivíduos e que a impressão de uma força considerável e de uma grande liberdade
libidinosa, para que a necessidade de um caudilho enérgico encontre e o recubra de uma onipotência a que talvez
não tivesse aspirado jamais. Os outros indivíduos cujo ideal do Eu não encontra na pessoa do chefe a encarnação
inteiramente satisfatória, são arrastados depois ‘sugetisvamente’, isto é, por identificação”. FREUD, Sigmund. "Psi-
cologia das Massas e Análise do Eu"
In
Obras Completas de Sigmund Freud
, v. IX. Rio de Janeiro: Delta S.A, p. 86.
40 FREUD, Sigmund. "Psicologia das Massas e Análise do Eu"
In
Obras Completas de Sigmund Freud
, v. IX.
Rio de
Janeiro: Delta S.A, p. 83/84. Não se desconhece a crítica da Lacan em relação ao denominado pai da horda primi-
tiva. Dessa forma, sem que nenhuma conclusão diversa se dê, deve ser esclarecido que a lógica da castração e a
submissão da massa ao poder autoritário estatal é tratada sob o signo da
metáfora paterna
, a considerar as ricas
considerações de Lacan a respeito do denominado
pai da horda
: “Falei então nesse nível sobre a metáfora paterna.
Nunca falei do Complexo de Édipo a não ser desta forma. Isso deveria ser um pouco sugestivo, não é? Disse que
era a metáfora paterna, mas no entanto não é assim que Freud nos apresenta as coisas. Sobretudo porque ele faz
muita questão de que isso tenha sucedido efetivamente, essa história danada de assassinato do pai da horda, essa
palhaçada darwiniana. O pai da horda – como se tivesse havido em algum momento o menor rastro do pari da hor-
da. Viu-se orangotangos. Mas do pai da horda humana, jamais se viu o menor rastro”. LACAN, Jacques.
O Seminário,
Livro 17: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1992, p. 118.
41 Não por outra razão, arrebatou Foucault: “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os siste-
mas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”. Cf. FOUCAULT,
Michel.
A ordem do discurso
. 12. ed. São Paulo: Loyola, 1996, p. 10.
42 FINK, Bruce.
O sujeito Lacaniano
: entre a linguagem e o gozo. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 159.