

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 39 - 53, jan - fev. 2015
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Pois bem, voltemos.
Tomando o menino como exemplo, explica Lacan que a relação
estabelecida com o pai é dominada, desde o princípio, pelo medo da
castração
15
. A experimentação deste medo é apenas a face mais elo-
quente da represália interior que o sujeito se impõe (ainda que incons-
cientemente) para sustentar a relação agressiva que estabelece com o
agente da castração
16
. Esta agressão, assinalou Lacan
17
, “parte do filho,
na medida em que seu objeto privilegiado, a mãe, lhe é proibido, e se
dirige ao pai. E retorna para ele em função da relação dual, uma vez que
ele projeta imaginariamente no pai intenções agressivas equivalentes
ou reforçadas em relação às suas, mas que tem como ponto de partida
suas próprias tendências agressivas”.
Mas a relação implicitamente violenta que se estabelece traz con-
sigo um componente que não pode ser descartado: o
componente amor
pelo pai
. O chamado Édipo
invertido
é parte integrante da própria disso-
lução futura do complexo, constituindo um horizonte possível de “iden-
tificação como enraizada no amor”.
18
É na medida em que o pai é ama-
do, explica Jacques Lacan
19
, “que o sujeito se identifica com ele, e que
encontra a solução terminal do Édipo numa composição do recalque
amnésico com a aquisição, nele mesmo, do termo ideal graças ao qual
ele se transforma em pai”.
20
15 Talvez não seja de todo despisciendo esclarecer que a
ameaça de castração
não é algo estabelecido no plano
fático (não se trata de pensar um pai, com uma faca na mão, ameaçando de cortar o pênis do filho). A castração,
conforme salientou diversas vezes Lacan, é uma
ameaça imaginária
, em outras palavras, “um
ato simbólico
cujo
agente é alguém real, o pai ou a mãe”. Cf. LACAN, Jacques.
O Seminário,
Livro 5
:
as formações do inconsciente. Rio
de Janeiro: Zahar, 1999, p. 178.
16 “A posição do pai real tal como Freud a articula, ou seja, como impossível, é o que faz que o pai seja imaginado
necessariamente como privador. Não são vocês, nem ele, nem eu, que imaginamos, isso vem da própria posição.
De modo algum é surpreendente que reencontremos sem cessar o pai imaginário. É uma dependência necessária,
estrutural, de algo que justamente nos escapa, o pai real. E o pai real, está estritamente fora de cogitação defini-lo
de uma maneira segura que não seja como agente da castração”. LACAN, Jacques.
O Seminário,
Livro 17: o avesso
da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1992, p. 135.
17 LACAN, Jacques
. O Seminário,
Livro 5
:
as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p. 175.
18 LACAN, Jacques.
O Seminário,
Livro 5
:
as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p. 176. “Identi-
ficação e amor não são a mesma coisa – podemos identificar-nos com alguém sem amá-lo, e vice-versa -, mas, ainda
assim, os dois termos são estreitamente ligados e absolutamente indissociáveis”.
19 LACAN, Jacques.
O Seminário,
Livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p. 176.
20 Interessante a seguinte passagem de LACAN,
O
Seminário,
Livro 4,
op. cit
., p. 213: “se a castração exerce esse
papel essencial para toda a continuação do desenvolvimento, é porque ela é necessária à assunção do falo materno
como um objeto simbólico. Somente a partir do fato de que, na experiência edipiana essencial, ela está privada do
objeto por aquele que o tem, que sabe que o tem, que o tem em todas as ocasiões, é que a criança pode conceber
que este mesmo objeto simbólico lhe será dado um dia”.