

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 39 - 53, jan - fev. 2015
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destituídos, mobilizando com isso seu potencial de violência para atacar
qualquer diferença existente no registro que lhe interessar”.
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Também não seria em um ou dois Estados contemporâneos que
ainda se observa uma multidão exigindo dos seus heróis
31
a violência,
uma multidão tão autoritária quanto intolerante que somente “respeita
a força e não vê na bondade mais que uma espécie de debilidade que a
impressiona muito pouco”.
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O que há de interessante nisso tudo, enquanto constitutivo de uma
aguçada leitura da sociedade e do Direito é perceber a maneira com que a
estrutura social contemporânea, aliada à experiência do desamparo, “tem
o impacto de produzir e de reproduzir no sujeito as mais terríveis formas
de
servidão
”
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de que nos falou Etiénne de La Boétie há séculos atrás.
A
servidão
ao “Pai Terrível”, autoritário, faz do sujeito dependente
da eleição de figuras e/ou instituições supostamente poderosas, capazes
de protegê-los das diferentes modalidades de relações sociais.
Essas instituições não são outras que não as agências punitivas en-
carregadas do controle penal (Polícia, Ministério Público e o próprio Judi-
ciário), quando não são pessoas de carne e osso, alçadas – com o auxílio
luxuoso da mídia - à figura altíssima do grande protetor da sociedade em
face da “guerra contra o crime”.
“Como decorrência, a violência se revela em sua modalidade origi-
nária de existência, pela qual a figura onipotente do protetor violenta e
goza com a fragilidade do outro, alimentando-se disso e engrandecendo
a sua imagem narcísica. Essas figuras e instituições podem ainda agenciar
outras formas de violência a partir desse patamar de base. Com efeito,
como líderes carismáticos dessa massa humilhada de indivíduos sem face
e sem espinha dorsal, tais figuras fragilizadas podem catalisar o potencial
de violência de tal massa para direcioná-lo para outros, postos na posição
de bode expiatório de suas misérias”
34
.
30 BIRMAN, Joel.
Mal-estar na Atualidade
. A Psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civiliza-
ção Brasileira, 2007, p. 265.
31 Um olhar singelo sobre a forma com que parte da sociedade brasileira legitimou a atuação do personagem Capi-
tão Nascimento interpretado por Wagner Moura no filme
Elite da Tropa I
, oferece um bom exemplo de como se fa-
bricam heróis reais fundados no exercício da violência, quase sempre em nome da ideologia do “combate ao crime”.
32 FREUD, Sigmund. "Psicologia das Massas e Análise do Eu"
In
Obras Completas de Sigmund Freud,
v. IX.
Rio de
Janeiro: Delta S.A., p. 19.
33 BIRMAN, Joel.
Arquivos do Mal-Estar e da Resistência.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 52.
34 BIRMAN, Joel.
Arquivos do Mal-Estar e da Resistência.
Op. cit
., p. 52.