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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 39 - 53, jan - fev. 2015

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É dessa massa passiva e submissa ao discurso punitivo, que não

tem vergonha de catalisar a violência contra os outros – aquele que não

sou Eu – de que se valem os movimentos de lei e ordem e, especialmente, a

constituição de

heróis

punitivos que vão desde o Capitão Nascimento a esd-

rúxula imagem do Batman enquanto Presidente de um Supremo Tribunal

35

.

Infelizmente, é pelo abismo oferecido pelo desamparo que o sujei-

to sucumbe a um pedido submisso de socorro. E é assim que o punitivis-

mo, como discurso retórico da defesa social, ganha força e se introjeta na

economia psíquica.

“Os sujeitos se submetem servilmente aos outros na busca frené-

tica que fazem de segurança e de proteção, em nome do evitamento do

desamparo, custe o que custar. (...) Ao lado disso, a violência e a crueldade

do outro, suposto protetor do cidadão servil, se autoriza e se legitima, dis-

seminando então a destrutividade moderna de maneira ilimitada.

36

Porque isso ocorre? Como explicar essa fascinação amorosa pelo

Pai tirânico, seja ele quem for? Em Psicanálise, toda resposta escapa pelo

dedo, mas tentaremos outro ponto de reflexão.

Lacan, no

Seminário

, livro 17 – o avesso da psicanálise

-,

nos lembra

que o texto de Freud de 1921 fornece as bases pela qual podemos obser-

var a identificação do pai como primária. O pai, explica Lacan

37

, “revela ser

aquele que preside à primeiríssima identificação e nisso precisamente ele

é, de maneira privilegiada, aquele que merece amor”. Ao se fazer preferir

no lugar da mãe, o pai passa a intervir como agente de uma privação, sendo

esta atuação responsável por conduzir o sujeito à formação do

Ideal do Eu.

A observação é interessante, a considerar que permitiria “explicar a

fascinação amorosa, a dependência para com o hipnotizador e a submis-

são ao líder, casos em que uma pessoa estranha é colocada pelo sujeito

no lugar do seu

ideal do eu

38

.

35 No contexto do julgamento dos autos nº 470 do processo penal que tramitava no Supremo Tribunal Federal

(caso “mensalão”) foi freqüente observar, especialmente nas redes sociais, “fotos montagens” do então presidente

Ministro Joaquim Barbosa representando a figura deste personagem.

36 BIRMAN, Joel.

Arquivos do Mal-Estar e da Resistência.

Op. cit

., p. 72.

37 LACAN, Jacques.

O Seminário,

Livro 17: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1992, p. 92.

38 LAPLANCHE, Jean;

Vocabulário de Psicanálise

(trad. Pedro Tamen), 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p.

222. Explica Laplanche que, em o Eu e o Id, o termo supereu é considerado sinônimo de ideal do eu, “uma só instân-

cia, formado por identificação com os pais correlativamente ao declínio do Édipo, que reúne as funções de interdi-

ção e de ideal”. Contudo, prossegue o autor afirmando que na literatura psicanalítica o termo supereu não descartou

a existência do termo ideal do eu e que, portanto, a maioria dos autores não utiliza um pelo outro. LAPLANCHE, Jean;

Vocabulário de Psicanálise

(trad. Pedro Tamen), 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 223.