

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 442 - 452, jan - fev. 2015
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parece ser o ovo da serpente. Heinrich Himmler, o nazista alemão chefe
da
Schutzstafell
, escreveu em seu diário que “todas as populações não
suscetíveis de regermanização serão transformadas em servo. Saber que
a obediência aos alemães é um mandamento de Deus e serem honestos,
trabalhadores e bem-comportados”.
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É no que querem nos transformar:
em servos bem comportados - na base da porrada, de prisões e de con-
denações criminais. Aliás, nada de novo. Vera Malaguti Batista nos mos-
trou com maestria como “a ocupação dos espaços públicos pelas classes
subalternas produz fantasias do caos social, que se ancoram nas matrizes
constitutivas da nossa formação ideológica. Esta questão permeou a corte
imperial após a revolta dos Malês em 1835, assombrou a Nação após a
abolição da escravidão e a Proclamação da República. Vagou nas águas da
Revolução de 30, no suicídio de Getúlio, no golpe de 64 e nas conjunturas
eleitorais de 1994 e 1998.”
15
.
De todas as tentativas de interpretação e análise sobre o real sig-
nificado das manifestações populares, parece-me que há uma linha em
comum - a de que o que se esgotou foi a forma capitalista de produção e
reprodução da vida nas cidades. E mais, como bem apontado por Leonar-
do Sakamoto, os jovens que estão nas ruas “já perceberam o que significa
ordem, hierarquia e tradição – e não gostaram. Até porque esses são os
valores de uma civilização representada por fuzis, colheitadeiras, motos-
serras, terno e paletó, que, mais cedo ou mais tarde, terá de mudar”
16
.
A reação vem a galope
Não há dúvidas de que o direito tem um papel fundamental nas
grandes transformações políticas e sociais. E por isso, a expansão capi-
talista e neoliberal encontra no direito um catalisador extraordinário. Da
mesma forma, se pode dizer que para o capitalismo militarizado o direito
é o melhor soldado. Com o título
Pilhagem: quando o Estado de Direito
é ilegal
, os professores americanos Ugo Matei e Laura Nader fizeram um
interessante estudo sobre como o “Direito tem sido usado para justificar,
administrar e sancionar a conquista e a pilhagem ocidentais, o que tem
14 LONGERICH, Peter.
Heinrich Himmler
– Uma biografia. Rio de janeiro, Objetiva, 2013.
15 MALAGUTI BATISTA, Vera.
O medo na cidade do Rio de Janeiro:
dois tempos de uma história. Rio de Janeiro,
Revan, 2003, p. 34.
16 SAKAMOTO, Leonardo.
Cidades Rebeldes:
Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São
Paulo, Boitempo. 2013, p. 96.