

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 442 - 452, jan - fev. 2015
442
Lei e Ordem Pra Dar e Vender
João Bernardo Kappen
Advogado Criminalista
Introdução
Absolutamente consciente de que, “no vácuo em que a sociedade
burguesa é tragada, quase tudo conspira contra o exercício de uma crítica
radical” e também de que, “numa época de triunfo dos especialistas do
nada, dedicar-se à critica é quase dar um tiro no pé”
1
, pretendo, nestas
breves páginas, correr o risco apontado por Marildo Menegat. Karl Marx,
esse morto tão vivo - para usar uma expressão de Nilo Batista - já havia
nos dito que todos os grandes fatos da história mundial se dão primeiro
como tragédia, depois como farsa
2
.
No Brasil, a onda de protestos e manifestações – que começou em
agosto de 2003, em Salvador, com a chamada revolta do buzu, e culmi-
nou dez anos depois com os protestos de junho de 2013 – descortinou
um projeto político de estado que vem sendo construído a conta-gotas e
por debaixo dos panos. A reação violenta do Estado, considerando os três
níveis do poder – legislativo, executivo e judiciário -, revelou, ao que me
parece de forma muito clara, que em nome dos interesses econômicos
dos megaeventos e megaempresas há um projeto de construção de um
estado policial, legitimado pelo próprio estado de direito. E o que é pior,
em nome da democracia, tal qual fizeram os militares em 1964.
Além de revelar as agendas sociais mal resolvidas das cidades, o
terremoto provocado pelas manifestações escancarou – para tristeza de
uma cegueira deliberada – o que se pretendia esconder (com o auxílio
fundamental, não se pode deixar de dizer, de uma imprensa acrítica e con-
servadora): a lógica política fascista que elege a manutenção da ordem
pública um fim em si mesmo.
1 MENEGAT, Marildo.
Até o último homem: visões cariocas da administração armada da vida social.
Organizadores
Felipe Brito e Pedro Rocha de Oliveira. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 12.
2 MARX, Karl.
O 18 de Brumário de Luís Bonaparte.
São Paulo: Boitempo, 2011, p. 25.