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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 442 - 452, jan - fev. 2015

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Com as novas e múltiplas formas de produção cooperativa, a “clas-

se trabalhadora” já não pode ser adequadamente traduzida nos conceitos

redutivos de “operariado” e congêneres, caracterizando-se cada vez mais

como “multidão de singularidades”. Nelas se expressa, para além do de-

sejo de “emancipação” identitária (o direito de ser aquilo que se é), um

desejo de “liberação” (o direito de devir diferente do que se é). Para a

organização da cooperação produtiva desses trabalhadores, o comando

capitalista é cada vez mais dispensável, e por isso mesmo parasitário, pois

incide sobre a própria vida e os fluxos de relações afetivo-cooperativas, na

tentativa de se apropriar do substrato comum dessa cooperação afetiva:

recursos naturais, linguagens, formas de comunicação e expressão etc.

Do carnaval de rua ao

funk

, dos

games

às formas de vestir, falar,

dançar e se divertir, dos “bairros boêmios” valorizados por artistas a for-

mas alternativas de estar juntos – sobre tudo que se cria, expressa e va-

loriza sem o concurso do capital, enfim, incide a avidez predatória dos

capitalistas, gerando diversificadas formas de resistência: das ocupações

de imóveis abandonados aos “rolezinhos”, das manifestações de rua às

“liberações de catraca” dos sistemas de transporte coletivo e de massa.

É nesse horizonte que se coloca o desafio de pensar e criar as novas

ações e organizações da liberação, para evitar a corrupção do comum e

sua captura pelos processos de privatização, dos quais o setor “público”

(estatal) é em geral coadjuvante e garante. Essa é a tarefa fundamental

do “intelectual”, segundo Negri e Hardt. Não mais cultivar a pretensão de

estar à frente dos movimentos, para “orientá-los”, ou ao seu lado, para

criticá-los, mas inserir-se dentro deles, como uma singularidade entre

outras tantas, a fim de cooperar com a criação das instituições por meio

das quais o desejo de liberação da multiplicidade das singularidades se

afirme e conserve. Contribuir para “fazer multidão” por meio da “co-

pesquisa”: esta seria a contribuição por excelência dos intelectuais.

Nos limites do espaço disponível, foi preciso trabalhar “a golpes de

martelo” para construir este pequeno resumo introdutório, que, espero,

possa alcançar o único e modesto objetivo a que me propus aqui: estimu-

lar, nos que ainda não tiveram a prazerosa e elucidativa oportunidade de

fazê-lo, a leitura e a reflexão em torno do brilhante e generoso pensamen-

to do mestre e amigo Toni Negri. Vale mesmo a pena.