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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 442 - 452, jan - fev. 2015

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que ficou conhecida como revolta da catraca, em Florianópolis, no ano de

2006, em que as pessoas simplesmente ocuparam e bloquearam a ponte

que dá acesso à ilha, intervindo diretamente na ordem pública, forçando

o poder público a revogar o aumento, teve uma importância fundamental

na consolidação de uma forma de protesto – a ocupação do espaço pú-

blico de forma a intervir radicalmente no cotidiano e na ordem da cidade.

É interessante notar que os princípios do MPL, segundo o próprio mo-

vimento, são os da não submissão a qualquer organização central, uma

política deliberada de baixo, por todos, sem dirigentes e nenhuma instân-

cia externa superior

11

. Faço aqui um parêntesis para anotar um fato. Na

primeira manifestação contra o aumento da tarifa de ônibus, que ficou

conhecida como a "revolta do buzu", retratada no documentário feito por

Carlos Pronzato

12

, pode-se ver uma cena em que há um diálogo entre um

comandante da polícia local e alguns manifestantes que estão nas ruas.

O policial pergunta insistentemente se não haveria líderes naquelas ma-

nifestações que tomaram conta das ruas e pararam a cidade de Salvador,

em 2003. E não havia - as pessoas estavam nas ruas protestando e lutando

pela reapropriação do espaço urbano - o que impossibilitou à polícia esco-

lher um inimigo a ser preso e abatido. Essa horizontalidade – e portanto

falta de liderança - dos movimentos sociais que vêm ocupando as ruas e

causando a desordem urbana é o que vem justificando a criação de um

arcabouço jurídico para o projeto político do estado policial.

O MPL entende que o objetivo dos protestos é a retomada do es-

paço urbano e que para que isso aconteça é necessário que os manifes-

tantes ocupem as ruas, determinando diretamente seus fluxos e usos

13

. É

justamente a ação direta dos trabalhadores sobre o espaço urbano, sobre

o transporte e o cotidiano da cidade que o governo (federal e estadu-

al) quer impedir e controlar. Aqui me parece ser preciso uma autocrítica:

não obstante os governos Lula – Dilma terem proporcionado os maiores

avanços sociais da história do Brasil – o que na visão de Bobbio os classi-

ficaria como governos de esquerda – é justamente nesse governo de es-

querda que o estado policial está sendo novamente forjado. A visão, por

exemplo, de que uma manifestação só é legítima quando não atrapalha

11 "Movimento Passe Livre" – São Paulo.

Cidades Rebeldes:

Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do

Brasil. São Paulo, Boitempo. 2013, p. 15.

12 Pode ser visto no Youtube.

13 "Movimento Passe Livre" – São Paulo.

Cidades Rebeldes:

Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do

Brasil. São Paulo, Boitempo. 2013, p. 16.