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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 435 - 436, jan - fev. 2015

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dos informativos. Parece uma consideração pessimista, mas é a realidade:

retrocedemos à fase da exegese, ou melhor, da exegese simplificada.

Por outro lado, a legislação penal pode ser deficiente, em alguns

aspectos, mas não induz à construção de um direito saído exclusivamen-

te dos tribunais. Nem estou jogando pedra na jurisprudência, a qual, em

certos casos, tem contribuído para democratizar a própria lei, como se

dá com decisões do STF em matéria de crimes hediondos ou no tráfico

de drogas. Essa forma de democratização é própria da jurisprudência e

constitui sua função. O que ressalto é a submissão da doutrina à jurispru-

dência, que passou a constituir a única fonte de uma discussão racional

do direito. Quando isso acontece, o direito corre o risco de se transformar

numa simples técnica, sem conteúdo de validade universal, um amontoa-

do de casuísmos. Veja-se, por exemplo, a confusão mental que a jurispru-

dência criou na consumação do crime de sonegação fiscal ou na aplicação

do princípio da insignificância. Pondo-se a valer as considerações da juris-

prudência, ter-se-á, pela primeira vez na história universal, a consumação

de um crime dependendo da ação de outrem e não como desdobramento

da própria conduta do agente, ou a violação do bem jurídico se subordi-

nando a um critério de reprovação social da própria conduta.

A decisão acerca da violação de bem jurídico deve estar orientada

por outros critérios, principalmente, em face da intensidade da lesão aos

valores de referência da conduta. Quando a violação do bem jurídico não

pode mais servir para traçar com nitidez as zonas do lícito e do ilícito,

tampouco poderá orientar a atividade de cada um. Aí reside a questão da

insignificância, que é matéria do injusto penal, subordinada à decisão em

torno do desvalor do resultado e do desvalor do ato. Pode até ser que a

orientação da jurisprudência tenha perseguido uma fórmula para conter

a expansão do direito penal, mas é uma fórmula errada. E os manuais de

direito penal vêm repetindo essas ideias, só isso e nada mais, como sinal

de progresso. A essa formulação doutrinária, com base nos informativos,

chamo de ruptura de racionalidade. Não é à toa que os cientistas sociais e

os psicólogos riem das construções jurídicas, que nada têm mais de cien-

tíficas, são meras expressões da decisão do caso. O direito se transformou

numa técnica igual à colocação de tijolos numa casa, e a doutrina se en-

carrega de apenas dizer como a argamassa está constituída.