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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 419 - 434, jan - fev. 2015

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Paradoxalmente, em uma época na qual os povos nativos do Brasil

assistem a uma escalada ímpar de ofensivas contra si, é quando o

índio

se mostra a fuga para tanto. Não é que pertençam a um

fora

que nos

permita fugir do mundo, mas que estão tão dentro quanto nós estamos

do Império: sincrônicos à contemporaneidade global e, ao mesmo tem-

po, suficientemente potentes para resistirem à devoração dos homens da

máquina capitalista e, ainda, viverem suas vidas; na era das grandes obras

e contratos, de uma vida toda de trabalho, os índios ousam apenas traba-

lhar para viver, ócio em vez de negócio. O

devir índio

é a própria experiên-

cia intensiva de afirmar, vejamos nós, uma outra vida que não a de cola-

borador de uma colonização de terras, corpos e mentes: ser estrangeiro e

desterrado nas próprias terras, estar tomado por um estranhamento ca-

paz de nos mover para fora de qualquer sedentarismo, qualquer zona de

conforto. Do mesmo modo que, para Spinoza, conhecer a realidade exigia

não somente distingui-la da imaginação, mas também saber imaginar, os

índios sabem bem que para viver, é preciso saber o que é próprio e o que

é causado por feitiços, precisando saber, inclusive, fazer magia.

O capitalismo científico dilmista é o sonho da máquina administra-

da por um governo técnico de consenso, chefiado por uma hierarquia de

burocratas que comandam trabalhadores profissionais, bem alimentados,

tecnicamente instruídos com suas vidinhas previsíveis de classe média,

todos juntos operando um patrimônio cuja propriedade está pulverizada

na forma de ações – quiçá nas mãos dos fundos de pensão dos próprios

trabalhadores; sem luta social, sem greves, sem violência, tudo absoluta-

mente seguro. No fim da linha, estão as grandes obras, o domínio de uma

hipotética natureza natural – má e negativa – e uma sensação de que está

tudo bem movido, por seu turno, pelo grito uníssono de gol da seleção.

Esse futuro, no entanto, foi recusado. O problema é justamente o risco de

isso acontecer. E os jovens perceberam isso.

Enquanto o Brasil busca se tornar o primeiro mundo, o primeiro

mundo cada vez mais abraça a realidade fraca do Brasil, violento, díspare,

inclemente. O Brasil Maior é, antes de tudo, um fraco, pois se ampara nos

ricos e poderosos. É a variação fraca do Brasil. O

brasil menor

é o Brasil dos

pobres e das minorias, é a verdadeira potência desse país, daqueles que

bastam a si mesmos e aos parasitas do sistema, daquele que copula com

o mundo na experiência antropofágica. Esse Brasil, ora silenciado, fez-se

ouvir. Enquanto a mesquinhez burocrática e o idealismo perverso do pro-